Há médicos e enfermeiros que tiveram contacto com colegas com covid-19 a trabalhar

O PÚBLICO detectou vários casos em que esse contacto deu origem a novas infecções, já confirmadas. Mesmo assim a Direcção-Geral da Saúde fez uma orientação no sábado a validar esta actuação. Ninguém sabe se houve doentes infectados por profissionais de saúde.

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A realidade mostra que há uma carga subjectiva na forma como se avalia um contacto de alto ou baixo risco

Há médicos e enfermeiros e outros profissionais de saúde que estiveram em contacto com outros colegas ou pacientes que estão infectados com a doença covid-19, mas que, mesmo assim, continuaram a trabalhar nos hospitais portugueses. Não foram postos em quarentena, nem sujeitos a testes de rastreio. Alguns acabaram por dar positivo mais tarde. Ninguém sabe se infectaram doentes e os hospitais não dizem quantos pacientes foram contactados ou, eventualmente, testados.

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Há médicos e enfermeiros e outros profissionais de saúde que estiveram em contacto com outros colegas ou pacientes que estão infectados com a doença covid-19, mas que, mesmo assim, continuaram a trabalhar nos hospitais portugueses. Não foram postos em quarentena, nem sujeitos a testes de rastreio. Alguns acabaram por dar positivo mais tarde. Ninguém sabe se infectaram doentes e os hospitais não dizem quantos pacientes foram contactados ou, eventualmente, testados.

Essa actuação foi validada por uma orientação da Direcção-Geral da Saúde, datada de sábado passado, que considera que, nos chamados “contactos de baixo risco”, os profissionais de saúde que tiveram contacto com pessoas infectadas com o novo coronavírus mas que não apresentam sintomas da doença podem continuar a trabalhar.

O problema é que a orientação, que é contestada por alguns, já mostrou que apresenta riscos, tendo o PÚBLICO feito um levantamento de vários casos em que esse contacto deu origem a novas infecções. A realidade mostra que há uma carga subjectiva na forma como se avalia um contacto de alto ou baixo risco – os primeiros ficam de quarentena, a chamada “vigilância activa”, enquanto os segundos mantêm-se a trabalhar na chamada “vigilância passiva”. Esta última implica apenas que estes profissionais são obrigados a monitorizar os seus sintomas e a registar a temperatura corporal duas vezes por dia, mantendo-se a trabalhar. Só se começarem a apresentar sintomas é que o seu caso passa a ser tratado como suspeito e estes são sujeitos a um teste de rastreio.

Se faz sentido só testar quem tem sintomas (está provado que os exames em assintomáticos dão uma percentagem alta de falsos negativos), já não se percebe porque é que os profissionais não são afastados temporariamente do trabalho, quando está igualmente demonstrado que uma parte grande dos infectados com o novo coronavírus não apresentam sintomas, mas mesmo assim transmitem a doença.

Um dos casos mais graves ocorreu no Centro Materno Infantil do Norte, que faz parte do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP). Segundo o PÚBLICO apurou junto de várias fontes, uma médica ginecologista/obstetra foi a primeira infectada com o novo coronavírus, o que foi confirmado por um teste há cerca de duas semanas. Outros três casos, todos em enfermeiras, foram depois conhecidos provavelmente com outras origens. As equipas de profissionais de saúde que trabalhavam com estas quatro pessoas ou com os respectivos doentes continuaram em funções, num dos dias sem sequer terem máscaras para protegerem os restantes pacientes.

Em quarentena?

O primeiro caso foi conhecido entre as equipas de saúde numa sexta-feira. Na segunda já se sabiam de outros três. Mas até quarta-feira de manhã médicos, enfermeiros e auxiliares continuaram a trabalhar como se nada se tivesse passado. Foi apenas após uma reunião com a comissão de infecciologia do hospital, durante a qual se soube que o total de casos positivos naquelas equipas já era de cinco (além da médica), que foi decidido que mais de duas dezenas de profissionais de saúde ficariam de quarentena. Já durante o período de isolamento em casa os profissionais ficaram a saber que mais dois colegas também tinham sido infectados, estando pelo menos um outro ainda a aguardar o resultado do seu teste.

Apesar de a quase totalidade dos enfermeiros do serviço de internamento de ginecologia, que atende as grávidas de risco e garante o pós-operatório, ter ficado de quarentena, o hospital nunca encerrou a unidade, que continuou a funcionar com profissionais de outros serviços. Neste momento, os profissionais de saúde continuam em quarentena. Já a médica obstetra é um dos vários clínicos que se mantêm nos cuidados intensivos, tendo o seu estado obrigado a recorrer à ventilação mecânica. O PÚBLICO confrontou esta quarta-feira à tarde o CHUP, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.

O mesmo aconteceu com outra situação que envolveu um cirurgião do Hospital de Curry Cabral. O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Roque da Cunha, revelou há cerca de duas semanas que o clínico foi infectado. O problema, conta o sindicalista, é que os profissionais de saúde que trabalhavam com o cirurgião continuaram em funções. Resultado? “Na segunda-feira havia dez enfermeiros e dois médicos com a covid-19”, lamenta Roque da Cunha. Contactado pelo PÚBLICO, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, onde o Curry Cabral está integrado, recusa-se a validar os números, não os desmentindo. Apenas remete para a DGS. Além disso, garante que a Unidade de Saúde Ocupacional “está a proceder ao acompanhamento escrupuloso de todos os casos suspeitos ou positivos de infecção de covid-19”.

No fim-de-semana ficou a saber que quatro anestesistas do Hospital de Braga tinham tido resultados positivos nos testes à covid-19 e que outros quatro foram colocados de quarentena, revela Roque da Cunha. “O problema é que os restantes profissionais de saúde que estiveram a trabalhar com aqueles médicos continuam em funções no hospital, como se nada se tivesse passado”, denuncia o médico. Como o Curry Cabral, o Hospital de Braga não comenta os números, garantindo apenas que “cumpre todas as orientações da Direcção-Geral da Saúde”.

Uma actuação diferente houve no caso do Hospital de Matosinhos, onde há pelo menos sete casos positivos entre os profissionais de saúde. Um deles é o director da Pediatria, como o PÚBLICO já noticiou, que teve uma reunião de trabalho com praticamente toda a sua equipa, que ficou, por isso, em quarentena. A pediatria esteve fechada entre sexta-feira e domingo, como confirmou a assessora de imprensa do hospital. Nem a responsável pela comunicação, nem o director da Pediatria conseguiram, no entanto, explicar com que profissionais é que a unidade abriu, já que, pelo menos numa primeira fase, com excepção de uma médica, todos os outros ficaram em quarentena. A verdade é que no sábado a DGS esclarecia, numa orientação, que quem não tinha sintomas e era considerado um contacto de baixo risco podia continuar a trabalhar, o que pode ter permitido o regresso de alguns ao trabalho.

O PÚBLICO questionou a DGS sobre se pôr profissionais de saúde que estiveram em contacto com colegas infectados ou com utentes com a covid-19 a trabalhar não punha os utentes de saúde e esses mesmos profissionais numa situação de risco inadmissível. Confrontada igualmente com os três primeiros casos que relatamos, a DGS diz, numa primeira resposta, que não os conhece e que teria de recolher informações. Meia hora depois, envia novo email em que frisa: “Numa altura em que todos combatemos juntos este desafio enorme, além do enorme esforço para ajudar os doentes, cuidamos, obviamente dos profissionais e a DGS emana normas e orientações para a cada momento em que o vírus evolui a actuação da saúde evolua também.” E remata: “Nos casos em que algo não corra da melhor maneira, rectificaremos para que de futuro não volte a acontecer.”