Os autarcas não são a DGS cá da terra
Se não acreditarmos na fidedignidade do número de infectados ou de mortos que a DGS nos apresenta, não acreditaremos em nada do que for dito ou pedido por parte de quem comanda o combate à covid-19. Se isso acontecer, a missão colectiva para mitigar os seus danos será mais difícil de cumprir.
Em tempos de dificuldades é normal que os nervos subam à flor da pele. É este estado que pode explicar a pressa com que autarcas de diferentes partidos e de várias regiões do país tratam de comunicar aos jornais o número de infectados ou de vítimas mortais que ocorrem nos seus municípios.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em tempos de dificuldades é normal que os nervos subam à flor da pele. É este estado que pode explicar a pressa com que autarcas de diferentes partidos e de várias regiões do país tratam de comunicar aos jornais o número de infectados ou de vítimas mortais que ocorrem nos seus municípios.
É bom que alguém os lembre de que esse empenho, mesmo que justificado pela sua preocupação em estar perto dos problemas das suas comunidades, só serve para criar ruído, alarmismo e confusão. E mais ainda, é imperioso que avise os que representam autarquias particularmente atingidas pelo novo coronavírus, como Salvador Malheiro, de Ovar, que rebater em público os dados da Direcção-Geral da Saúde é de uma enorme gravidade.
Se desconfia dos números de infectados, que os esclareça com as autoridades competentes; se tem provas capazes de indiciar qualquer viciação intencional e dolosa dos resultados, que as apresente.
Anunciar vítimas ao minuto ou pôr em causa a seriedade das autoridades de saúde cria uma sensação de insegurança insuportável e uma falta de confiança danosa para o moral do país. O papel e o prestígio dos autarcas junto dos seus eleitores não podem ser comprometidos por este tipo de atitudes emocionais ou irreflectidas. Até porque não faltam exemplos pelo país fora do excelente trabalho que tantos estão a fazer, alertando as populações, contribuindo para travar a propagação do vírus ou desenvolvendo políticas de apoio social.
Neste esforço de evidente interesse público não cabe seguramente a competição com o boletim diário da DGS. O país precisa de confiar na seriedade e na competência das autoridades sanitárias e essa confiança não pode ser posta em causa com actualizações de dados fora do contexto ou com a insinuação de que poderá haver suspeitas de golpes de secretaria.
“Temos de evitar a cacofonia”, dizia nesta quarta-feira o secretário de Estado da Saúde, António Sales. E só há uma maneira de o conseguir: apelar ao sentido de responsabilidade dos autarcas, porque não passa pela cabeça de ninguém mexer uma vírgula na autonomia política que a Constituição lhes concede.
Não havendo razões consistentes para suspeitas de manipulação dos resultados, temos de avaliar o evoluir da situação dia a dia, ao ritmo decidido pela DGS e, mais importante, temos de acreditar na seriedade de quem produz a informação. Se não acreditarmos na fidedignidade do número de infectados ou de mortos que a DGS nos apresenta, não acreditaremos em nada do que for dito ou pedido por parte de quem comanda o combate à covid-19. Se isso acontecer, a missão colectiva para mitigar os seus danos será mais difícil de cumprir.