Memória das Vítimas da Inquisição já tem um dia oficial: 31 de Março
A data coincide com a aprovação da extinção da Inquisição em Portugal, em 1821.
A Resolução da Assembleia da República, que consagra a data de 31 de Março como Dia Nacional da Memória das Vítimas da Inquisição, foi publicada esta quinta-feira em Diário da República.
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A Resolução da Assembleia da República, que consagra a data de 31 de Março como Dia Nacional da Memória das Vítimas da Inquisição, foi publicada esta quinta-feira em Diário da República.
“A Assembleia da República resolve (...) consagrar o dia 31 de Março como Dia Nacional da Memória das Vítimas da Inquisição”, lê-se no diploma.
O Parlamento consagrou a data, que coincide com a aprovação da extinção da Inquisição em Portugal, em 1821, aprovando por unanimidade, no passado dia 6, a proposta de resolução do PS para a instituição do Dia Nacional da Memória das Vítimas da Inquisição.
O texto então aprovado defende que “a adopção de um Dia da Memória das Vítimas da Inquisição, nos termos peticionados por inúmeras iniciativas da sociedade civil, não traduz qualquer vontade de promover a abertura de feridas antigas ou um desejo de acicatar animosidade contra qualquer instituição, secular ou religiosa”.
“A realidade histórica da Inquisição e da sua presença em Portugal” enquadra-se aliás no conjunto de matérias em relação às quais “se tem registado uma evolução muito positiva, no que respeita ao seu estudo e memorialização”, consequência em particular de “uma mudança de atitude com a passagem ao regime democrático”.
A consagração do dia 31 de Março como Dia da Memória das Vítimas da Inquisição foi assim enquadrada “num movimento claro, sério e reconciliador, em que Estado e Igreja já têm dado os passos de reconhecimento dos erros do passado, e encetado a sua reparação pela valorização da memória das vítimas e pela prevenção da repetição dos crimes do passado”, sublinhava a proposta.
Ao longo das últimas décadas, segundo o mesmo texto, “tem o tema vindo a ser objecto de aprofundamento da investigação científica em seu torno, decorrente muitas vezes de uma melhoria de acesso a fontes primárias até aí indisponíveis ou de difícil acesso”.
Em 23 de Maio de 1536, o então recém-eleito Papa Paulo III autorizou a instauração da Inquisição em Portugal, data que foi aliás sugerida na petição apresentada na passada legislatura, para instituição do Dia Nacional de Memória.
A data escolhida, porém, corresponde à aprovação por unanimidade da extinção oficial da Inquisição portuguesa, no dia 31 de Março de 1821, nas Cortes Constituintes, saídas da Revolução Liberal de 1820.
O diploma, que seria publicado cinco dias depois (5 de Abril de 1821), estabelecia a extinção do chamado tribunal do Santo Ofício, a revogação de todas as suas leis e ordens, o fecho dos processos pendentes e a entrega à jurisdição dos bispos da gestão dos seus bens e da sua documentação.
“A existência do Tribunal da Inquisição é incompatível com os princípios adoptados nas bases da Constituição”, lia-se no diploma então aprovado, que punha termo a 285 anos de perseguição.
Durante quase três séculos, a Inquisição sofreu modificações, reformas e conheceu diferentes fases, desde o auge de poder, no século XVI, à entrada em declínio, durante o governo do Marquês de Pombal.
O último auto-de-fé em Portugal foi realizado em Lisboa, em 1761, e teve por vítima o padre jesuíta Gabriel Malagrida, condenado por heresia, depois de não provada a sua traição, no âmbito do processo dos Távoras.
Entre as vítimas da Inquisição em Portugal contam-se o humanista Damião de Góis, no século XVI, assassinado depois de ter sido preso à ordem do tribunal. No século seguinte, o padre António Vieira, filósofo, escritor e orador, foi um dos seus adversários e um dos seus detidos.
A investigação histórica aponta para dezenas de milhares de vítimas dos tribunais da Inquisição de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
Segundo registos existentes, entre 1536 e 1761, foram queimadas vivas 1.175 pessoas, nos autos-de-fé públicos, que consumiram igualmente a representação (efígie) de outras 633, enquanto a prisão e tortura atingiu perto de 30 mil pessoas.
A investigação histórica admite, no entanto, que os números confirmados estão abaixo da realidade.
Em 2016, quando passavam 480 anos sobre a instituição da Inquisição em Portugal, a cidade de Évora inaugurou um monumento de homenagem às vítimas, da autoria do escultor João Sotero, na Praça do Giraldo, no local onde se realizaram autos-de-fé, e onde foi lida, pela primeira vez, a bula papal que instituiu a Inquisição em Portugal.