Presidente do Parlamento demite-se e agrava crise constitucional em Israel

Edelstein recusou cumprir decisão do Supremo Tribunal que o obriga a agendar votação para eleger o sucessor e renunciou ao cargo. Sem acordo para um novo governo, em plena crise do coronavírus, Israel entra em terrenos desconhecidos.

Foto
Yuli Edelstein, presidente demissionário do Knesset EPA/Adina Wallman

Em tempos de pandemia, os principais actores políticos israelitas continuam de costas voltadas e desse tenso jogo de forças resultou uma crise constitucional sem precedentes. Esta quarta-feira, o presidente do Knesset (Parlamento), Yuli Edelstein, rejeitou acatar uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que lhe exigia que agendasse uma votação para se eleger o seu sucessor. Em resposta, renunciou ao cargo, ganhou 48 horas de oxigénio e suspendeu os trabalhos da câmara até segunda-feira.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Em tempos de pandemia, os principais actores políticos israelitas continuam de costas voltadas e desse tenso jogo de forças resultou uma crise constitucional sem precedentes. Esta quarta-feira, o presidente do Knesset (Parlamento), Yuli Edelstein, rejeitou acatar uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que lhe exigia que agendasse uma votação para se eleger o seu sucessor. Em resposta, renunciou ao cargo, ganhou 48 horas de oxigénio e suspendeu os trabalhos da câmara até segunda-feira.

Com a urgência do combate ao coronavírus a ser utilizada como arma política e os dois principais líderes, Benjamin Netanyahu (primeiro-ministro) e Benny Gantz (líder do partido Azul e Branco), a mostrarem-se incapazes de acertar uma solução de governo de unidade nacional, Israel atasca-se agora num conflito de natureza jurídica e processual, cujo desfecho é imprevisível.

Uma vez que as últimas eleições israelitas já se realizaram há quase um mês – vitória do Likud, o partido conservador de Netanyahu, sem maioria – e face à decisão do Presidente, Reuven Rivlin, de mandatar Gantz a formar governo, o Supremo exigiu a Edelstein que agendasse uma votação para eleger o seu sucessor, de forma a cumprirem-se os passos tradicionais da nova legislatura.

Mas Edelstein, que pertence ao Likud, e que recebeu o apoio do partido nesta sua decisão, recusou-se a escolher uma data, justificando a posição com as negociações em curso para a formação do governo – “Não quero fazer parte de uma guerra civil”, afiançou. E, por isso, na segunda-feira. o tribunal impeliu o speaker a agendar a votação para esta quarta-feira.

Não só Edelstein se recusou a fazê-lo, como se demitiu, acusando o Supremo de estar a “interferir” no poder legislativo, a “danificar a soberania da nação e do Knesset” e a “subverter a base da democracia israelita”. 

“A decisão não é baseada em legislação, mas numa análise unilateral e radical”, acusou, citado pelo Jerusalem Post. “Não tenho qualquer desejo de desrespeitar o tribunal, mas a minha consciência não me permite respeitar a sua decisão”, afirmou, num comunicado.

Debate processual

A partir daqui, não há legislação israelita que preveja os próximos passos. Por um lado, a demissão só entra legalmente em vigor 48 horas depois – sexta-feira, portanto. Por outro, a disposição legal que estipula que o vice-presidente do Parlamento – actualmente é o trabalhista Amir Peretz – pode assumir o posto de presidente, temporariamente, em determinadas situações, não se aplica ao caso, uma vez que a eleição de Edelstein teve lugar na legislatura anterior.

Em Israel não se exclui, por enquanto, que ainda se venha a votar esta quarta-feira, ou nos próximos dias, na eleição do sucessor de Edelstein. Até porque, escreve o Haaretz, o assessor jurídico do Parlamento, Eyal Yinon, notificou o Supremo que o prazo das 48 horas pode permitir que ainda se vote, antes de consumada a demissão.

Ainda assim, a única conclusão que se pode tirar do caso do dia, até ao momento, é que Edelstein está a violar uma ordem do Supremo Tribunal, enquanto aguarda por sexta-feira para sair de cena. Nesse sentido, estando Israel numa situação de emergência sanitária, com os trabalhos do Knesset suspensos até segunda-feira, Netanyahu pode continuar a governar por decreto, sem controlo do Parlamento.

“Edelstein está barricado no seu gabinete a tirar vantagem dos seus últimos dois dias de speaker, antes da demissão surtir efeito, para encerrar o Knesset até segunda-feira, apesar das exigências da maioria dos deputados e das ordens repetidas pelo Supremo Tribunal. Golpe processual”, escreveu no Twitter o colunista do Haaretz e correspondente da Economist em Israel, Anshel Pfeffer.

Uma situação muito contestada pela oposição e, naturalmente, por Benny Ganz, que queria o agendamento mais célebre possível da votação do novo speaker, para poder acelerar a investidura de um governo de centro-esquerda, por si liderado, e com o apoio de 61 dos 120 deputados do Knesset. Os mesmos que, à partida, também retirariam Edelstein do seu posto.

“O Parlamento de Israel pertence aos cidadãos de Israel e os representantes eleitos devem cumprir as leis de Israel e as decisões dos seus tribunais. Ninguém está acima da lei”, reagiu o ex-general, cujo partido, o Azul e Branco, ficou em segundo lugar nas eleições de Março – as terceiras no espaço de um ano.

A renúncia e a suspensão parlamentar têm ainda o condão de atrasar a discussão, e possível aprovação, de uma proposta de lei da oposição, que pretende afastar da chefia do Governo os primeiros-ministros acusados de crimes – uma lei direccionada a Netanyahu, que deveria ter começado a ser julgado por corrupção, fraude e abuso de confiança, mas cujo julgamento foi adiado para Junho por causa do coronavírus.