Carla e Rui: “Após quase 48 horas ininterruptas de viagem, chegávamos a casa”. Sem “beijos nem abraços”
Carla Mota é geógrafa e líder de viagens, Rui Pinto é físico. Há 12 anos que andam a Viajar Entre Viagens, o blogue onde partilham o que vão vivendo de mochila às costas. Depois de uma longa jornada de regresso a casa, escrevem para a Fugas a partir de Guimarães.
Escrevemos este texto na sala do nosso apartamento em Guimarães, depois de termos chegado a Portugal após três voos internacionais, que nos trouxeram do outro lado do mundo. Com a expansão do novo coronavírus por cada vez mais países, e as crescentes restrições e interdições ao tráfego aéreo, são muito menos aqueles que se aventuram em deslocações de avião. Os aeroportos estão praticamente vazios, e os aviões que circulam transportam, na sua maioria, pessoas que querem regressar aos seus países de origem. Mas apesar de o espaço nos aeroportos ser muito, e as pessoas serem poucas, nos aviões convive-se confinado, e de perto, com dezenas ou centenas de pessoas durante largas horas. Algumas tossem, outras espirram. As distâncias são exíguas, e o contacto é inevitável. Por precaução, e para proteger aqueles que nos rodeiam, estamos agora no terceiro dia de uma quarentena autoimposta de 14 dias. Olhamos para a rua a partir da nossa varanda, observamos os poucos carros que passam, e reparamos que são muito aqueles que fazem o mesmo em prédios vizinhos. A nossa vida como que parece suspensa, à espera, na esperança de tempos melhores.
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Escrevemos este texto na sala do nosso apartamento em Guimarães, depois de termos chegado a Portugal após três voos internacionais, que nos trouxeram do outro lado do mundo. Com a expansão do novo coronavírus por cada vez mais países, e as crescentes restrições e interdições ao tráfego aéreo, são muito menos aqueles que se aventuram em deslocações de avião. Os aeroportos estão praticamente vazios, e os aviões que circulam transportam, na sua maioria, pessoas que querem regressar aos seus países de origem. Mas apesar de o espaço nos aeroportos ser muito, e as pessoas serem poucas, nos aviões convive-se confinado, e de perto, com dezenas ou centenas de pessoas durante largas horas. Algumas tossem, outras espirram. As distâncias são exíguas, e o contacto é inevitável. Por precaução, e para proteger aqueles que nos rodeiam, estamos agora no terceiro dia de uma quarentena autoimposta de 14 dias. Olhamos para a rua a partir da nossa varanda, observamos os poucos carros que passam, e reparamos que são muito aqueles que fazem o mesmo em prédios vizinhos. A nossa vida como que parece suspensa, à espera, na esperança de tempos melhores.
Mas, ainda há poucos dias, estávamos na Nova Zelândia, literalmente nos antípodas de Portugal, numa viagem que durava há oito meses. Tínhamos partido de Portugal em Julho de 2019, rumo a uma viagem de volta ao mundo, um projecto que acarinhávamos há muito e que tínhamos planeado com todo o pormenor. Juntámos dinheiro durante alguns anos, trabalhámos com mais afinco no “Viajar entre Viagens”, o blogue de viagens no qual escrevemos há mais de dez anos, e finalmente resolvemos que 2019-2020 seria o ano certo. Sabíamos que nos ia custar estar longe da nossa família, mas era algo que queríamos muito fazer. Pedimos licença sem vencimento dos nossos empregos, e lançámo-nos à aventura. Indonésia, Timor-Leste, Papua Nova Guiné, Austrália e Filipinas foram os destinos que se sucederam, numa viagem com muitas aventuras que nos encheram o coração e as quais compartilhámos com os nossos seguidores.
De repente, a meio da nossa viagem pelas Filipinas, começou-se a ouvir falar de um novo vírus que alastrava na China e, de dia para dia, a ameaça foi encurtando distâncias e tornando-se mais real. Na ilha de Boracay, um dos maiores destinos turísticos das Filipinas, e nossa última paragem no país, eram já bem visíveis os efeitos das restrições impostas aos voos vindos da China e Coreia do Sul, com os hotéis a funcionar a meio-gás e as praias com muito espaço para se estender a toalha sem incomodar o vizinho. Quando embarcámos de volta à Austrália, numa breve incursão pela costa sul e pela Tasmânia, a epidemia ameaçava transformar-se em pandemia, e a Europa caminhava para ser o próximo epicentro da propagação. Itália e Espanha destacavam-se nas notícias, mas o nosso Portugal parecia que não ia escapar ileso.
Mas foi quando já estávamos na Nova Zelândia que tudo, de súbito, se alterou. O número crescente e preocupante de casos, a agitação social, o alerta das autoridades, tudo fez soar os alarmes nas nossas cabeças. E, acima de tudo, a situação dos nossos familiares mais chegados, a lidar com uma situação difícil e nunca antes vivida no país, pelo menos nas últimas gerações. Quando partimos de Portugal, sabíamos que poderíamos ter de interromper a nossa viagem, caso algo de grave ou extraordinário acontecesse connosco ou com alguém da nossa família. Mas nunca nos passou pela cabeça que seria uma pandemia mundial a destroçar os nossos planos.
A gota que transbordou o copo foi a decisão do governo português em declarar o estado de emergência e o fecho de fronteiras. Sabíamos que, se quiséssemos regressar, teríamos de agir depressa e não podíamos hesitar, sob pena de ficarmos longe de Portugal e daqueles que precisavam de nós, por um período indefinido. Para trás, ficaria uma viagem que, depois da Nova Zelândia, se prolongaria por vários meses no Pacífico. Depois de muito tempo, dedicação e dinheiro gastos na sua preparação, era um sonho que ficava, no mínimo, em suspenso. Mas, valores mais altos se levantavam. Os que nos são mais próximos precisavam de nós e a verdade é que o Pacífico podia esperar.
Os acontecimentos desenrolavam-se em catadupa e, quando já regressávamos via Dubai, os voos de países fora da União Europeia para Portugal foram cancelados. A meio da viagem tivemos de reformular planos, arranjar uma alternativa e comprar um novo voo para Portugal, a partir de Londres. Finalmente, após quase 48 horas ininterruptas de viagem, chegávamos a casa. Não foi o regresso que tínhamos imaginado. Sem ninguém para nos saudar no aeroporto, sem beijos nem abraços. À precaução, um aceno e um sorriso à distância. Ironicamente, hoje continuamos a ver a nossa família unicamente no ecrã do smartphone, exactamente como quando estávamos em viagem. Mas agora sabemos que estamos mais perto, disponíveis se for caso disso, e sentimos que estamos onde devíamos estar. As viagens, essas, ficam para mais tarde.
Texto escrito no dia 23 de Março de 2020