Rokia Traoré foi libertada em França, mas pode ser extraditada para a Bélgica
Cantora franco-maliana encontrava-se em greve de fome. Contesta acusação da justiça belga de que raptou a sua filha de quatro anos.
A cantora franco-maliana Rokia Traoré foi libertada esta quarta-feira da prisão de Fleury-Mérogis, a sul de Paris, por um tribunal da capital francesa, mas vai permanecer sob controlo judiciário, não está autorizada a abandonar o país e poderá ser extraditada para a Bélgica.
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A cantora franco-maliana Rokia Traoré foi libertada esta quarta-feira da prisão de Fleury-Mérogis, a sul de Paris, por um tribunal da capital francesa, mas vai permanecer sob controlo judiciário, não está autorizada a abandonar o país e poderá ser extraditada para a Bélgica.
A debilidade do estado de Rokia, que desde o dia 10 de Março fazia greve de fome, associada à pandemia de coronavírus que também assola a França, terá pesado na resposta positiva do Tribunal de Paris ao pedido de libertação interposto pelo seu advogado, Kenneth Feliho. Este anunciou entretanto, segundo o diário Le Monde, que a cantora vai, a partir de agora, “usar todos os meios para recorrer e contestar a decisão do tribunal” relativa à extradição. Em causa está um processo litigioso que Traoré mantém com um seu ex-companheiro belga, Jan Goosens, sobre a custódia da filha de ambos de quatro anos.
A artista de 46 anos, reconhecida activista e desde 2016 embaixadora da Boa Vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, foi presa no início de Março no Aeroporto Charles de Gaulle, à saída de um avião proveniente de Bamako, quando fazia escala numa viagem para Bruxelas, onde iria apresentar-se livremente à justiça belga, que a acusou de rapto e sequestro da filha.
O Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas decidiu atribuir a custódia exclusiva da criança ao pai, que se separou de Rokia no ano passado. A cantora contestou a decisão desde o início, e apresentou recurso no tribunal belga.
Numa carta-aberta tornada pública pelo seu advogado, citada pelo Le Monde, a cantora explica que se encontra a residir no Mali desde 2015 com os seus dois filhos, a pequena de quatro anos e um rapaz de 14, tendo este frequentado, desde 2016 e sem interrupção, o Liceu Francês em Bamako. Rokia está registada no consulado de França nesta capital africana como “cidadã maliana de nacionalidade francesa”, e contesta ter alguma vez tido domicílio em Bruxelas, não aceitando, por isso, a acusação de rapto da sua filha mais nova. “Como é óbvio, eu não posso ter vivido em dois continentes em simultâneo e não há nenhum registo de escolarização dos meus filhos na Bélgica entre 2015 e 2019”, acrescenta o documento.
Apoio à causa
Depois de ter sido detida e encarcerada na prisão de Fleury-Mérogis, no departamento de Essone, Rokia Traoré decidiu entrar em greve de fome, atitude que justificou, numa mensagem na sua conta de Facebook, com o objectivo de lhe ser “garantido um processo equitativo na Bélgica” e para que o mandado de captura europeu não lhe fosse “injustamente aplicado”. A ser extraditada e condenada neste país, a cantora maliana enfrenta uma pena que pode ir até cinco anos de prisão.
Entretanto, o seu caso tem sido objecto de atenção e de manifestações de solidariedade internacionais, especialmente na Europa e em África, que começaram com o lançamento de uma petição pelo Collectif des Mères Veilleuses (Mães monoparentais da Bélgica), a que se associou depois o Colectivo #FreeRokia, no Mali, que na tarde desta quarta-feira tinha já reunido mais de 30 mil assinaturas.
As associações Femen, Osez, le Féminism e das Artistas Africanas da Imagem, além da Sociedade dos Autores, Compositores e Editores de Música (Sacem) são algumas das estruturas que manifestaram o apoio à libertação e à causa desta artista que já actuou várias vezes em palcos portugueses.
Desde que o mundo ocidental descobriu a música de Rokia Traoré, encantou-se também com uma mulher que se atreveu a empunhar uma guitarra quando esse era um gesto exclusivo de homens no Mali e entre o povo bambara. Mas a par dessa revolução social e de costumes que começou a desenhar em Mouneïssa (1998), a cantora tem levado a cabo uma outra revolução, própria de quem soube escutar a música de raízes e cruzá-la com referências de rock e blues que cedo abriram um espaço entre tradição e modernidade e o tornaram um lugar só seu. Mesmo quando “globalizou” a sua sonoridade em Beautiful Africa (2013) e Né So (2016), não deixou de incluir instrumentos como ngnoni e balafon nas suas criações, nem tão-pouco de cantar sobretudo as desigualdades e as injustiças do seu país. Sempre com uma voz que insiste em contrapor a beleza (mesmo que irada) ao ruído das liberdades ameaçadas e roubadas.
Com Gonçalo Frota