O que será depois?
Talvez algumas das medidas que estamos a implementar não sejam mais do que uma antecipação de tendências que já se vinham a verificar, tornando-se urgente refletir sobre elas.
A atual crise da covid-19, marcada por uma enorme incerteza, tem levado decisores de todo o mundo a classificá-la como a pior desde o 11 de setembro. Sabemos hoje que, depois desse fatídico dia, o mundo nunca mais ficou igual.
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A atual crise da covid-19, marcada por uma enorme incerteza, tem levado decisores de todo o mundo a classificá-la como a pior desde o 11 de setembro. Sabemos hoje que, depois desse fatídico dia, o mundo nunca mais ficou igual.
Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, afirmou sobre a covid-19 que iremos precisar de “um nível de ambição semelhante ao do Plano Marshall”. Impõe-se perante este desafio perguntar como ficará o mundo depois desta convulsão e de que forma poderemos mais rapidamente adaptarmo-nos para melhor resistir? Talvez algumas das medidas que estamos a implementar não sejam mais do que uma antecipação de tendências que já se vinham a verificar, tornando-se urgente refletir sobre elas.
Antes de mais, recuemos no tempo. Na Europa industrializada da Primeira Guerra Mundial houve uma mobilização das sociedades ocidentais e de todos os seus recursos – humanos, tecnológicos, económicos e naturais – para o esforço de guerra, naquela que foi a primeira guerra total. Em 1918, a Inglaterra, a Alemanha, a Rússia, a Hungria e a Polónia concediam, ainda que com limitações, o direito de voto às mulheres. A mobilização de operários para a frente de combate havia obrigado as sociedades a substituírem os postos de trabalho dominados por homens, o que levou a uma inevitável igualdade de género. Era uma tendência que já se vinha a verificar em todo o mundo, apenas foi catalisada pela crise. O mesmo se pode dizer em relação à Segunda Guerra Mundial e todos os avanços científicos verificados: o avião foi utilizado em larga escala pela primeira vez num conflito, o desenvolvimento da energia atómica, o desenvolvimento de foguetes com o consequente contributo para a conquista do espaço. Dificilmente se teria avançado tanto nos transportes aéreos sem a pressão desse conflito, mas mais uma vez apenas se acentuou uma tendência que já se vinha a verificar.
Quando o coronavírus SARS surgiu na China em 2002 levou a um incremento das compras online e contribuiu para a ascensão da plataforma Alibaba, hoje gigante mundial, de acordo com a Harvard Business Review. Desta crise, e sendo com certeza prematuro antecipar alterações de paradigma, o mundo sairá necessariamente diferente. Quando finalmente pudermos sair de casa talvez venhamos a ter um frémito muito belle époque de loucura e criatividade, um tempo ele próprio saído de um pós-guerra Franco-Prussiana. Daremos graças por estar vivos e a incerteza levará a uma relativização do futuro. Pelo contrário, outros aprenderão a não dar tudo por garantido, procurarão uma vida menos materialista, mais focada no presente e em ter experiências novas. Estas poderão passar por trabalhar mais a partir de casa, substituir as visitas turísticas pela experiência de viver em sítios diferentes durante períodos mais longos ou mesmo sermos os educadores dos nossos próprios filhos. Haverá uma rejeição do atual modelo de ensino, sobretudo no período da adolescência e universitário, que tem sido praticamente imutável desde as universidades medievais. As grandes concentrações, sejam elas jogos, concertos, comícios ou festivais, durante algum tempo continuarão a parecer contra natura e talvez simplesmente desapareçam. Deixaremos de dar o passou-bem, os beijos, os abraços e adotaremos outras formas de saudação, menos corporais, como sucede com os asiáticos.
Talvez cheguemos à conclusão de que não precisamos de um novo aeroporto em Lisboa e que os modelos turísticos massificados estão falidos. No fim sabemos muito pouco do que surgirá deste parto muito difícil, mas devemos ter a certeza que algo de diferente estará para vir e não necessariamente pior…
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico