A razão e os números
Sou o primeiro a defender que o panorama prisional português é deficitário no que toca à presença de psicólogos. Mas é preciso fazê-lo com base em dados verdadeiros, para bem da credibilidade da Psicologia, enquanto ciência e profissão.
Não faria este texto de opinião se não entendesse que a causa da Psicologia e dos Psicólogos o não merecesse. De facto, em entrevista recente a este jornal, Francisco Miranda Rodrigues, o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), tece várias considerações sobre o tecido profissional português onde os psicólogos estão inseridos referindo aqui e ali que nalguns casos haverá grande empregabilidade e noutros escasseiam os profissionais. E dá como exemplo desta última situação os serviços prisionais, referindo que não existirão mais de 30 psicólogos para um total de 14.000 reclusos e onde a taxa de reincidência excede os 50%.
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Não faria este texto de opinião se não entendesse que a causa da Psicologia e dos Psicólogos o não merecesse. De facto, em entrevista recente a este jornal, Francisco Miranda Rodrigues, o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), tece várias considerações sobre o tecido profissional português onde os psicólogos estão inseridos referindo aqui e ali que nalguns casos haverá grande empregabilidade e noutros escasseiam os profissionais. E dá como exemplo desta última situação os serviços prisionais, referindo que não existirão mais de 30 psicólogos para um total de 14.000 reclusos e onde a taxa de reincidência excede os 50%.
Ora estes números não são corretos. De facto, quanto ao número de psicólogos efetivamente a laborar em meio prisional torna-se necessário distinguir os que estão subcontratados por empresas que os colocam em estabelecimentos prisionais por algumas horas semanais e a receberem retribuições salariais irrisórias – serão esses provavelmente os tais 30 – daqueles que integram os quadros da função pública enquanto Técnicos Superiores de Reeducação, diretores adjuntos e diretores de estabelecimentos prisionais, que serão outras tantas dezenas.
Por outro lado, neste momento, o total de reclusos não chega sequer aos 13.000, de acordo com as estatísticas oficiais, e quanto à taxa de reincidência é preciso dizer que não existe nenhum estudo atualizado que nos dê uma indicação segura sobre a reincidência criminal portuguesa. De facto, se consultarmos as estatísticas nacionais e europeias sobre esta questão, não há qualquer evidência ou referência internacional, respetivamente. Em boa verdade, é preciso recuar aos anos noventa e inícios deste século, para encontrar dados nos relatórios da Provedoria da Justiça sobre as prisões para verificar que em todos eles o número de presos reincidentes era inferior aos dos presos pela primeira vez, com diferenças que oscilavam entre os quatro e os 10%.
Dito isto, sou o primeiro a defender que o panorama prisional português é deficitário no que toca à presença dos psicólogos e ao seu envolvimento na avaliação, investigação e intervenção junto da população recluída e na formação dos elementos da guarda prisional, entre outros aspetos. Mas é preciso defender isto com base em dados verdadeiros, pois caso contrário arriscamo-nos a embarcar em modas populistas e irresponsáveis como é, por exemplo, a defesa de tratamentos radicais para agressores sexuais com base em amostragens enviesadas de meia dúzia de casos extremos, que em nada refletem a grande maioria deste grupo de criminosos. É bom que tenhamos razão, mas que os números que apresentemos sejam o principal suporte dessa argumentação. Para bem da credibilidade da Psicologia, enquanto ciência e profissão.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico