Carta Aberta à senhora ministra da Saúde: três medidas que pecam por tardias
Nas últimas semanas consegui encontrar exemplos bem mais inspirados e eficientes nas iniciativas solidárias tomadas por parte da sociedade civil do que por parte da atual estrutura de comando do Ministério da Saúde ou da Direção Geral da Saúde que, infelizmente, mais parece estar a reboque do galope dos acontecimentos do que a prever antecipadamente esses acontecimentos e a saber controlá-los, de modo adequado e eficaz.
Senhora ministra da Saúde,
A verdade faz-nos mais fortes
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Senhora ministra da Saúde,
Perante a iminência da extrema gravidade epidemiológica, enquanto cidadão e enquanto diretor de uma instituição prestigiada, com quase 200 anos de existência ao serviço da Medicina, tenho vindo a tentar alertar as diferentes autoridades, sanitárias e de poder, do meu País para a necessidade de se virem a tomar medidas urgentes de contenção da pandemia de covid-19.
Neste contexto, dirigi uma carta pública ao Conselho Nacional de Saúde Pública, em 11 de março, fui cossignatário de uma carta aberta ao primeiro-ministro, que foi igualmente subscrita pela totalidade dos oito diretores de Faculdades de Medicina, agrupados no Conselho Nacional de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) e, mais recentemente, em 22 de março, dirigi ainda uma outra ao senhor Presidente da República.
De um modo geral, todas estas missivas expressavam a minha (ou a nossa, no caso do CEMP) preocupação pelo eventual ou mesmo manifesto atraso na tomada de decisões adequadas – leia-se mais focadas, mais articuladas e mais restritivas – por parte das autoridades governamentais, designadamente as sanitárias. Defendi ainda a necessidade de um maior reforço e clareza na cadeia de comando e uma melhor assessoria técnica, incluindo a vinda ou a consulta de especialistas de países orientais que já mostraram ter mais conhecimentos e meios para lidar, com sucesso, com este terrível e inesperado desafio.
Em todas estas intervenções públicas procurei sempre evitar imiscuir-me na própria natureza das decisões a tomar, deixando isso, obviamente, à responsabilidade do Ministério da Saúde (MS) e da Direção Geral da Saúde (DGS).
No entanto, e face à cada vez maior ameaça de rotura do Sistema Nacional de Saúde (SNS) – neste momento visível sobretudo no Norte do País – e na impossibilidade de me fazer ouvir, de forma mais eficaz, junto do ministério que dirige, não me resta já outra alternativa senão interpelá-la desta maneira.
Na verdade, na minha análise, na de muitos outros colegas (nomeadamente, médicos experientes de muitos anos a trabalhar com doenças infecciosas e em cuidados intensivos) e na de outros profissionais de saúde, incluindo enfermeiros e assistentes operacionais que estão a combater diariamente no terreno, nas primeiras linhas de combate à epidemia e arriscando as suas próprias vidas, urge serem tomadas medidas de mitigação, ao nível de todo o nosso SNS e do País!
São exemplos dessas medidas, o imediato alargamento dos critérios para as pessoas poderem ser classificadas como “suspeitas de estar infetadas” e o seu subsequente “rastreio” através de teste para o SARS-CoV-2 (covid-19). De facto, se queremos detetar mais casos e retardar assim a epidemia (como nos foi dado tão bom exemplo pela Coreia do Sul) teremos, inevitavelmente, de testar mais indivíduos suspeitos! Isto passaria por testar qualquer doente que desenvolva agudamente tosse, ou febre ou dispneia, bem como os contactos assintomáticos mais próximos e/ou mais recentes dos casos confirmados de infeção pela covid-19!
E, caso não seja possível testar tantos mais, por carência de testes apropriados, então dever-se-á definir prioridades claras para a realização do teste, como a todos “aqueles que apresentem já critérios de internamento hospitalar” e aos profissionais de saúde “sintomáticos”.
De igual modo, impõe-se desde já a clara distinção, por parte da Linha SNS24, entre aqueles suspeitos que deverão ser “atendidos na comunidade” (ou seja, nos centros de saúde preparados para tal) e aqueles que o deverão ser nos “serviços de urgência” dos hospitais do SNS. De facto, só assim se poderá aliviar um pouco a pressão nos hospitais que de outro modo entrarão muito mais cedo em colapso!
A criação em todos os hospitais de “áreas dedicadas ao tratamento de doentes infetados com covid-19” é também imperiosa e emergente, de modo a poderem coexistir, sem se tocarem, áreas “sujas” e “limpas” de covid-19. Caso contrário, haverá certamente um enorme risco de contágio intra-hospitalar!
Na verdade, para lhe ser completamente franco, senhora ministra da Saúde, acho que as três medidas que acabei de enunciar só poderão pecar por a sua implementação, no terreno, já estar a tardar há pelo menos uma semana!
Pelo caminho, se pudesse reforçar a criação e divulgação de plataformas online que permitissem aliviar a pressão na Linha Saúde 24, seria também muito bom!
E, finalmente, e embora tendo consciência que isso não será da responsabilidade do seu ministério, mas tendo também esperança que a sua voz possa ser ouvida junto dos seus colegas de Governo, incluindo o primeiro-ministro, por favor tente fechar as fábricas do Norte que, apoiando-se sobretudo em trabalho manual, não são suscetíveis de entrar em teletrabalho como está a acontecer em muitas empresas de Lisboa. Fechá-las, urgentemente e por umas semanas, é fundamental! E é emergente!
Na verdade, se queremos minorar o impacto deste terrível desafio no SNS e sobre todo o povo português, teremos de ser rápidos nas decisões a tomar e eficazes na implementação das decisões já tomadas!
Aliás, nas últimas semanas, consegui encontrar exemplos bem mais inspirados e eficientes nas iniciativas solidárias tomadas por parte da sociedade civil – incluindo as das autarquias, numa tentativa de fazer face aos constantes e incrementais desafios colocados pelo avanço da epidemia – do que por parte da atual estrutura de comando do MS ou da DGS que, infelizmente, mais parece estar a reboque do galope dos acontecimentos, do que a prever antecipadamente esses acontecimentos e a saber controlá-los, de modo adequado e eficaz, posteriormente.
Senhora ministra, neste momento, mais do que em nenhum outro na sua carreira política ou mesmo em toda a história do MS/DGS, a vida de muitos profissionais de saúde e de muitos mais utentes do SNS depende (e muito) da rapidez e eficiência das suas decisões. Não atrase mais. Avance, por favor, que os Portugueses agradecerão!
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico