“Filho és, pai serás”, em tempos de coronavírus
A angústia pelo facto de os meus pais estarem todos os dias expostos a outras pessoas é real e dou por mim a explicar como devem proceder a cada movimento, mas também a tentar dar-lhes a força e calma que precisam.
“Filho és, pai serás”: a quantidade de vezes que ouvi isto sempre que me insurgia contra qualquer recomendação dada pelo meu pai nos tempos áureos de adolescente. De repente, ainda antes de ser mãe, em tempos de coronavírus, esta frase ganha outro sentido. “Lavem as mãos. Não usem máscara nem luvas se não for preciso. Lavem as mãos. Não andem na rua. Beijinhos, até amanhã. Lavem as mãos.” Multiplico-me em recomendações em cada telefonema diário com os meus pais.
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“Filho és, pai serás”: a quantidade de vezes que ouvi isto sempre que me insurgia contra qualquer recomendação dada pelo meu pai nos tempos áureos de adolescente. De repente, ainda antes de ser mãe, em tempos de coronavírus, esta frase ganha outro sentido. “Lavem as mãos. Não usem máscara nem luvas se não for preciso. Lavem as mãos. Não andem na rua. Beijinhos, até amanhã. Lavem as mãos.” Multiplico-me em recomendações em cada telefonema diário com os meus pais.
Esta distância não é nova para nós. Há mais de oito anos que tenho, temos, esta independência e que, entre mensagens e telefonemas, vamos encurtando os quilómetros que nos separam. Na maioria das vezes falávamos de lugares comuns, mas agora o tema é sempre o mesmo e a preocupação crescente.
Mais dos que meus pais, mais do que estarem na casa dos 60 anos, são do grupo dos que todos os dias continuam a trabalhar. Todos os dias continuam a disponibilizar algo tão essencial como é o pão. E é aqui me torno a filha (ou mãe) chata que todos os dias dá as mesmas recomendações, que pergunta vezes sem conta se estão a fazer o que digo, que lhes diz que não tem mal se as coisas correrem mal porque estou aqui. A angústia por estarem todos os dias expostos a outras pessoas é real e dou por mim a explicar como devem proceder a cada movimento, mas também a tentar dar-lhes a força e calma que precisam.
Hoje tudo está em perspectiva e nós, filhos, sentimos uma responsabilidade e uma preocupação distinta. Dei por mim a perguntar ao meu círculo de amigos como estavam os pais deles a reagir e já estávamos tal e qual um grupo de pais e mães a partilhar as “queixinhas” e preocupações, mas a perceber quem tal como os filhos, também os pais são muito diferentes.
Estão todos a aprender uma nova realidade. Desde os que, como os meus, continuam a trabalhar porque assim tem que ser aos que começam a lidar com o teletrabalho, e até, pela primeira vez, a ter uma mistura entre trabalho e o espaço casa. Ou os que vivem restrições em negócios próprios e sentem a preocupação de uma vida inteira de trabalho, enfrentando mais uma crise.
Estão todos a tentar lidar e superar uma nova realidade. Desde o pai que todos os dias arranja algo novo para ir ao supermercado comprar, à mãe ultra cuidadosa que se fechou em casa e desinfecta tudo o que toca. Desde os pais que enviam tudo o que lêem para perguntar se é verdade aos que dizem que isso do vírus acontece mais nas cidades. Da mãe que ralha com os familiares que vão para o café ao pai que se dedica à bricolagem para esquecer o isolamento.
E depois, no meio de tudo isto, entre teimosias ou preocupações, estamos nós que tentamos acalmar ansiedades, alertar para os perigos, explicar afinal o que é esta doença que nos deixou a todos em emergência.
É nesta complexidade de contextos dos nossos pais que há algo comum. Todos eles já viram e viveram muito, foram e são agentes activos na sociedade, acompanharam a evolução do mundo a par connosco. E o mundo pede-lhes, mais uma vez, que se adaptem. E pede-nos a nós que, mesmo sem se aperceberem, os sustenhamos. No fim disto tudo, quando nos voltarem a perguntar se andamos a comer bem e derem os mesmos conselhos de sempre, que sorriso vamos ter para lhes dar.