Coronavírus: em tempos de crise, o que podemos fazer pelos animais?
Os tempos difíceis que vivemos não devem, de forma alguma, desresponsabilizar-nos dos deveres que temos para com os animais que se encontram aos nossos cuidados e menos ainda levar ao seu abandono. Atravessamos uma crise epidémica, não uma crise de valores.
Na passada quarta-feira foi decretado o estado de emergência no nosso país devido à covid-19. Uma medida excepcional num momento também excepcional que vivemos por causa de um vírus de elevada propagação e que, para além do número de infectados, tirou a vida a 23 pessoas em Portugal.
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Na passada quarta-feira foi decretado o estado de emergência no nosso país devido à covid-19. Uma medida excepcional num momento também excepcional que vivemos por causa de um vírus de elevada propagação e que, para além do número de infectados, tirou a vida a 23 pessoas em Portugal.
Por força da declaração do estado de emergência, o Governo adoptou um conjunto de medidas extraordinárias (Decreto n.º 2-A/2020 de 20 de março) que restringem os direitos, liberdades e garantias das pessoas, em particular no que respeita ao seu direito de circulação e também às liberdades económicas, com vista a prevenir a transmissão do vírus.
Neste contexto, não nos esqueçamos que mais de 50% dos lares detêm animais de companhia — e que estes são uma componente importante para a maioria dos agregados familiares, em particular para aquelas pessoas cuja única companhia são, mesmo, os animais.
Por esta razão, é importante que quem detém animais de companhia, quem preste voluntariado em alguma associação ou até mesmo os profissionais de saúde, como os médicos veterinários, saibam que deslocações podem ou não fazer durante o período em que vigorar o estado de emergência.
Para além dos serviços essenciais e de actividades imprescindíveis do dia-a-dia, como as deslocações por motivos de saúde, ficaram também acautelados alguns direitos dos cidadãos no que respeita à prestação de cuidados aos animais. Mas no caso daqueles sujeitos ao dever especial de protecção, ou seja, as pessoas com mais de 70 anos ou as pessoas imunodeprimidas ou portadoras de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser consideradas de risco, a sua circulação fica expressamente limitada às situações previstas. Quer isto dizer que, além de propósitos como a deslocação para a aquisição de bens e serviços, por motivos de saúde ou para acesso a postos de correio ou agências bancárias, estas pessoas podem ainda realizar deslocações de curta duração para efeitos de passeio dos animais de companhia.
Mas não são apenas estas pessoas que viram o seu dia-a-dia limitado. Existe também um dever geral de recolhimento domiciliário aplicável a todas e todos nós e que limita a nossa circulação em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas. Neste caso, no que respeita à prestação de cuidados aos animais só são possíveis as seguintes deslocações:
- de curta duração, para efeitos de passeio dos animais de companhia e alimentação de animais;
- de médicos veterinários;
- de detentores de animais para assistência médico-veterinária;
- de cuidadores de colónias reconhecidas pelos municípios;
- de voluntários de associações zoófilas com animais a cargo que necessitem de se deslocar aos abrigos e de equipas de resgate de animais.
Estas permissões não se aplicam às pessoas que se encontrem em situação de confinamento obrigatório, isto é, aos doentes com covid-19 e aos cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância activa. Sendo que a violação da obrigação de confinamento constitui crime de desobediência.
O nosso Governo adoptou, e bem, uma solução semelhante à do estado espanhol. Nem de outro modo poderia ser, sob pena de estarmos a condenar ao abandono e à fome os animais, tal como tem vindo a acontecer noutros países que atravessam esta pandemia e onde o abandono aumentou e as colónias de animais não estão a ser cuidadas nem alimentadas.
Há, porém, um aspecto que nos parece manifestamente insuficiente para acautelar a alimentação dos animais: o facto de ter sido limitada a possibilidade de alimentação apenas às colónias reconhecidas pelos municípios, deixando de fora um número significativo de colónias que, sem a ajuda dos cuidadores, ficarão sem garantia de alimentação e abeberamento.
Não nos podemos esquecer que existe um elevado número de colónias ainda em fase de reconhecimento por parte das autarquias e que, por este país fora, existem inúmeros cuidadores que, diariamente, alimentam os animais que partilham connosco as cidades e o mundo rural. Dificilmente estes cuidadores, até pelo afecto que nutrem pelos animais a cargo, vão conseguir cumprir com esta limitação, sabendo que isso significa que estes animais não vão ter qualquer outra fonte de alimentação. Não faz sentido limitar o dever de cuidado que temos para com estes animais em aspectos burocráticos e administrativos.
O critério prevalecente deveria ter sido o mesmo que esteve subjacente à limitação dos direitos e liberdades: as razões de saúde pública aqui em causa, ou seja, o cuidador poder pertencer a um grupo de risco e/ou encontrar-se em isolamento ou quarentena obrigatórios, por poder encontrar-se infectado com o novo coronavírus.
Existem já propostas na Assembleia da República que visam precisamente que o Governo alargue o âmbito desta permissão aos restantes cuidadores. E que para a cidade de Ovar também seja permitida a prestação de cuidados aos animais, uma vez que o despacho é completamente omisso nesta matéria.
Não posso deixar de terminar sem deixar alguns conselhos e precauções a ter em conta neste momento:
- passeiem os animais de companhia, em passeios curtos e em zonas pouco movimentadas;
- lavem sempre bem as mãos antes e depois de passear o animal;
- se não estiverem em condições de saúde para passear, alimentar e cuidar do animal de companhia, peçam ajuda a familiares, vizinhos ou amigos. Nesta altura, há sempre alguém próximo pronto a ajudar;
- assegurem-se que têm alimentação suficiente para as próximas semanas, uma vez que, com a dificuldade de circulação entre países por causa do controlo de fronteiras, pode haver mais demora no fornecimento de bens para os nossos amigos de quatro patas;
- se comprarem alimentos para animais online, aproveitem e mandem entregar algum em associações zoófilas próximas, pois este é um momento particularmente difícil também para elas;
- se se encontrarem em situação de isolamento social, sendo desaconselhável sair, lembrem-se que existem associações e grupos de vizinhos que estão, neste momento, a organizar-se para ajudar e que podem a passear o animal de companhia;
- não abandonem os vossos animais. Não se deixem levar pelo que vêem, diariamente, nas redes sociais. Informem-se bem sobre a relação entre os animais e a covid-19. Lembrem-se que não existe, para já, qualquer evidência de que o vírus se transmite de animais para humanos.
Os tempos difíceis que vivemos não devem, de forma alguma, desresponsabilizar-nos dos deveres que temos para com os animais que se encontram aos nossos cuidados e menos ainda levar ao seu abandono. Atravessamos uma crise epidémica, não uma crise de valores. Com sentido de responsabilidade, solidariedade e união, que inclui protegermos os animais que estão ao nosso cuidado, vamos ultrapassar esta crise com o nosso sentido de comunidade reforçado.