A depressão pós-parto (ou a história de um papão)
Ninguém diz a um diabético para não injectar insulina, pois não? Então, por que raio insistem em diabolizar a medicação psiquiátrica?
Vinte e dois dias depois de nascer o meu filho João sentei-me numa cadeira de madeira branca, olhei para a psiquiatra do outro lado da secretária e, com um nó gigante no peito, disse-lhe que não sabia por onde começar. E é exactamente assim que me sinto agora, sem saber como é que hei-de começar a contar-vos uma das histórias mais difíceis e pessoais da minha vida.
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Vinte e dois dias depois de nascer o meu filho João sentei-me numa cadeira de madeira branca, olhei para a psiquiatra do outro lado da secretária e, com um nó gigante no peito, disse-lhe que não sabia por onde começar. E é exactamente assim que me sinto agora, sem saber como é que hei-de começar a contar-vos uma das histórias mais difíceis e pessoais da minha vida.
O João quase não dormiu nas primeiras semanas de vida. Soubemos já demasiado tarde que o freio da língua curto com que nasceu não lhe permitia mamar de forma eficaz e, por isso, passava noite e dia na mama sem nunca ficar satisfeito. As noites em claro foram-se acumulando e durante o dia, por ter o Pedro em casa, nunca consegui descansar. Um dia estava a dar banho ao João, exausta, e percebi que as minhas mãos tremiam. O aperto que sentia no peito, um horrível nó de angústia, sufocava-me. Sentia-me perdida e a pior mãe do planeta, sempre consumida pelo cansaço e pela sensação que, fizesse o que fizesse, nunca chegava nem para um filho nem para o outro. Sabem o que é sentirem-se uma merda? Era assim que eu me sentia, um dia atrás do outro, numa ansiedade que me prendia a uma espiral de desespero.
A princípio não contei nada a ninguém mas, nem sei bem como, um dia dei por mim a chorar no colo do meu marido e a pedir à minha mãe que viesse ajudar-me. Senti que não podia mais e, no maior acesso de sanidade da minha vida, marquei uma consulta de psiquiatria. Naqueles dias pouco me importava o estigma que, desgraçadamente, ainda é associado a quem procura ajuda a nível da saúde mental. Eu só queria ficar bem.
Não me lembro de tudo o que falei com a médica durante a consulta, mas lembro-me que ela disse que a primeira coisa que tínhamos que fazer era dar-me uma boa noite de sono. E assim foi. Com a medicação dormi 14 abençoadas horas, ininterruptas graças à minha mãe e ao meu marido que cuidaram dos pequenos. Nem sempre as coisas funcionam tão bem mas, no meu caso, no dia a seguir à consulta, já me sentia ligeiramente melhor e, cinco dias depois, sentia que era eu outra vez.
Ao contrário do que, infelizmente, se continua a ouvir, nunca me senti “pedrada”, nunca andei a arrastar os pés ou a babar-me pelos cantos. É uma pena que muita gente, ainda agarrada a uma ideia da psiquiatria de há 30 anos, continue a propagar estas teorias que só servem para que outros se afastem da procura pelo tratamento adequado. Ninguém diz a um diabético para não injectar insulina, pois não? Então, por que raio insistem em diabolizar a medicação psiquiátrica?
Pela minha parte, cumpri a medicação certinha durante seis meses, depois iniciei o desmame e, no dia em que voltei ao trabalho, já não tomava nada. Mas sabem o que vos digo? Se um dia voltar a precisar nem vou pensar duas vezes. É preferível fazer medicação e termos uma boa vida, a sentirmo-nos nós próprias, do que viver num buraco negro só para poder dizer que “eu cá nunca tomei nada dessas coisas”. Essas coisas salvam vidas. Essas coisas ajudaram-me a encontrar novamente a estabilidade que me permitiu ser a melhor mãe do mundo para os meus filhos. Foram seis meses, podiam ter sido muitos mais.
Estudos apontam que a depressão pós-parto pode afectar entre 25 a 30% das mulheres. Estamos a falar de uma doença comum e, felizmente, tratável. Não tenhamos medo de procurar ajuda, não tenhamos medo de mandar opinadores e reis de frases feitas darem uma volta ao bilhar grande, não tenhamos medo da medicação, cada vez mais segura e com menos efeitos secundários, não tenhamos medo da placa na porta do consultório que diz “psiquiatra”.
Eu não fui a primeira mulher com depressão pós-parto neste mundo. Também não fui a última. E quanto mais falarmos sobre isto, quanto menos o escondermos, mais nos ajudamos umas às outras. Nenhuma de nós está sozinha e todas estamos aqui, com ou sem ajuda de medicação, a lutar todos os dias para sermos as melhores mães do mundo.