Covid-19: repensar as políticas de saúde na UE
Esta crise mostra como é importante haver uma estratégia europeia de saúde e autoridades coordenadoras capazes de decidir medidas conjuntas e atempadas.
Há cerca de dois meses, numa interessante conferência no Hospital de S. João sobre “(Re)utilização de dados em investigação e inovação em saúde”, defendi que a política de saúde (e não apenas de saúde pública) estava a tornar-se cada vez mais numa política europeia, sem que os Tratados fossem alterados e os Estados-membros a isso se opusessem. Isso estava a acontecer por causa da política de vacinas, do acesso e negociação do preço dos medicamentos inovadores, da investigação de doenças raras e de outras mais frequentes, como o cancro, e obviamente por causa da importância dos dados e da inteligência artificial para a prevenção e tratamento de doenças.
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Há cerca de dois meses, numa interessante conferência no Hospital de S. João sobre “(Re)utilização de dados em investigação e inovação em saúde”, defendi que a política de saúde (e não apenas de saúde pública) estava a tornar-se cada vez mais numa política europeia, sem que os Tratados fossem alterados e os Estados-membros a isso se opusessem. Isso estava a acontecer por causa da política de vacinas, do acesso e negociação do preço dos medicamentos inovadores, da investigação de doenças raras e de outras mais frequentes, como o cancro, e obviamente por causa da importância dos dados e da inteligência artificial para a prevenção e tratamento de doenças.
Na verdade, entre as medidas propostas na Estratégia Europeia para os Dados, atualmente em discussão, está a de construir um espaço europeu de dados de saúde. Mesmo sendo um projeto sensível e difícil de executar (mas não impossível), é fácil ver a utilidade que teria para a investigação mais rápida de doenças e para a sua prevenção. Hoje, no meio da gestão da pandemia da covid-19, também podemos imaginar como seria útil ter mais dados sobre o perfil epidemiológico dos doentes, o mapeamento de casos positivos e negativos para servir de amostragem para a localização de surtos, e com certeza outras aplicações que os cientistas de dados sabem desenvolver. Com os devidos cuidados com a proteção de dados, temos de ser mais expeditos no uso da informação para acelerar a inovação e melhorar a saúde e a qualidade de vida. Espero aliás que, neste momento em que o interesse público deve prevalecer, os dados estejam a ser disponibilizados aos cientistas para que possam dar a sua contribuição e assim ajudar as autoridades de saúde.
Não argumentei então com circunstâncias excecionais, que estava longe de prever com esta gravidade. Apenas o fiz com aquilo que, já então, decorria da normalidade. Se temos um mercado interno com livre circulação de pessoas (incluindo para fins lúdicos), serviços, bens e capitais, se temos economias ligadas por uma moeda única, poderemos ter diferenças tão significativas nas políticas de saúde, nas medidas de prevenção, nos sistemas de atendimento e tratamento, e na disponibilidade de bens e serviços com eles relacionados? A proporcionalidade e a subsidiariedade têm de estar sempre presentes, aqui como em outros domínios de decisão ao nível da UE, mas esta crise mostra como é importante haver uma estratégia europeia de saúde e autoridades coordenadoras capazes de decidir medidas de pilotagem conjuntas e atempadas em certas circunstâncias que não serão sempre excecionais. No papel, alguns destes instrumentos até já podem existir, mas talvez não com a capacidade de intervenção que é necessária.
A propósito da covid-19, tenho ouvido especialistas, como por exemplo Filipe Froes (SIC, 14.03.2020), criticar a falta de articulação e de uma voz de comando mais clara a coordenar e a fundamentar as diferentes medidas no espaço europeu. Se temos políticas comuns em várias áreas neste espaço de mobilidade, temos de salvaguardar o ativo mais importante da UE: as pessoas. Há muitas coisas para aprender e fazer a seguir, e uma delas passa por uma coordenação maior ao nível europeu, defendeu o referido pneumologista.
Espero que, no final destes dias tão difíceis, não nos esqueçamos deste tipo de reflexão. Que não se apague a memória e dela se tirem as lições devidas: do que foi preciso fazer e improvisar, do que correu bem e do que correu mal, e sobretudo do que poderia ter corrido melhor se estivéssemos mais bem organizados ao nível europeu e não apenas em cada Estado-membro ou região.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico