Como sobreviver ao isolamento? Os truques que Kirill Serebrennikov aprendeu em prisão domiciliária
Acusado de desvio de fundos públicos, o director artístico do Centro Gogol, também encenador e cineasta, viveu ano e meio confinado à sua casa em Moscovo.
Entre Agosto de 2017 e Abril do ano passado, o realizador e encenador russo Kirill Serebrennikov, director do centro cultural Gogol, esteve em prisão domiciliária, depois de ter sido acusado por um tribunal de Moscovo de desvio de fundos públicos, no valor próximo de 1,8 milhões de euros. Em causa estava uma produção do Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, que, segundo as autoridades, não teria sido concretizada, apesar dos abundantes registos em contrário publicados na imprensa russa e na Internet. Libertado após um ano e meio de privação da liberdade, mantém-se impedido de sair da Rússia.
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Entre Agosto de 2017 e Abril do ano passado, o realizador e encenador russo Kirill Serebrennikov, director do centro cultural Gogol, esteve em prisão domiciliária, depois de ter sido acusado por um tribunal de Moscovo de desvio de fundos públicos, no valor próximo de 1,8 milhões de euros. Em causa estava uma produção do Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, que, segundo as autoridades, não teria sido concretizada, apesar dos abundantes registos em contrário publicados na imprensa russa e na Internet. Libertado após um ano e meio de privação da liberdade, mantém-se impedido de sair da Rússia.
À luz da sua experiência de confinamento, e perante a declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde e a instauração do estado de emergência um pouco por todo o mundo, Serebrennikov decidiu na semana passada contribuir para apaziguar o estado de isolamento a que os cidadãos estão obrigados nesta fase de combate ao novo coronavírus, apresentando dez conselhos para lidar com a situação.
Num filme de quase dez minutos disponível no YouTube, o autor de Verão – filme que conta a história do músico de rock russo Víktor Tsoi (1962-1990), e que passou já nas salas portuguesas – enumera, um a um, esses conselhos, que são também lições de resiliência e de vida, e que aqui reproduzimos em versão simplificada, e a partir da notícia do diário espanhol El País:
1 – O isolamento não é um castigo celeste, mas um momento de verdade, que pode trazer coisas positivas;
2 – Responde à pergunta ‘Quem és tu? e o que é mais importante na tua vida?’ Escreve as respostas, que poderão tornar-se um guia de comportamento, tanto no actual momento de isolamento como na tua vida posterior;
3 – Escrever um diário será também uma boa ideia, pois ajuda à introspecção;
4 – Lê os livros volumosos que tens na tua estante. Por exemplo: Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes), Guerra e Paz (Tolstói), Ulisses (James Joyce), A Piada Infinita (David Foster Wallace), As Benevolentes (Jonathan Littell). Sairás do isolamento como uma pessoa nova;
5 – Não te esqueças de ti mesmo. Faz ioga ou outro exercício qualquer. Cuida da tua alimentação e faz uma dieta equilibrada;
6 – É a altura de fazer as coisas com que sempre sonhaste: escrever, esculpir... Dá azo à tua criatividade. O isolamento é uma boa oportunidade para perceberes o que gostarias de fazer da sua vida. E como ninguém estará a ver, fá-lo pensando só em ti mesmo;
7 – Começa a escrever as tuas memórias. Recordar a tua vida, de uma forma profusa e detalhada, pode ser uma fonte de prazer;
8 – Aprende línguas: ajuda a prevenir o Alzheimer e exercita a memória, além de ser útil;
9 – Risca as palavras ‘quarentena’ e ‘isolamento’ do teu vocabulário. Começa do zero, e descansa. É bom utilizar o tempo que se passa em casa para mudar as coisas. Retoma os teus velhos contactos, fala com os teus amigos e familiares:
10 – Diverte-te. Vê cinema, ouve música, mantém a tua vida sexual activa; planta flores e embeleza a janela ou a varanda; usa roupa nova… Permite que a componente ‘prazer’ esteja na tua agenda. Procura que cada dia te traga algo alegre. E tenta começar do zero.
Serebrennikov, agora com 50 anos, negou sempre as acusações de que f0i alvo, considerando-as “absurdas” e acusando o Kremlin de perseguição política. Um mês antes da sua detenção, o Teatro Bolshoi cancelara, à última da hora e de forma controversa, a estreia de uma produção que estava a montar em torno da vida e da obra do bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993). Era uma das estreias mais esperadas da temporada daquele teatro de Moscovo, e muitos dos defensores do encenador viram no facto de a peça abordar a homossexualidade do mítico bailarino a razão para o seu cancelamento e para a posterior perseguição judicial. Serebrennikov acabou por ser libertado da prisão domiciliária em Abril de 2019, mas manteve-se impedido de sair da Rússia.
O seu processo mobilizou a atenção internacional, em especial em Maio de 2018, quando Serébrennikov foi impedido pelas autoridades russas de se deslocar a Cannes para acompanhar a estreia de Verão, que integrava a selecção oficial do festival. A actriz australiana Cate Blanchet e o dramaturgo alemão Thomas Ostermeier foram alguns dos nomes da comunidade artística internacional que acusaram as autoridades de Moscovo de censura e de atentado à liberdade no caso Serebrennikov. Acusações a que o Presidente Putin viria a responder invocando que o processo era apenas judicial e não político.