Fechados em casa e na rua todos os dias
Em tempo de pandemia e estado de emergência, a informação é considerada um bem essencial. Por isso, quem a faz não pode parar. A partir de casa ou na rua, em reportagem, dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para que um noticiário fidedigno continue a fluir. Eis uma amostra do trabalho da última semana dos fotojornalistas do PÚBLICO, que saíram de casa todos os dias para nos mostrarem as mudanças que as notícias anunciam.
Já é uma espécie de piada. De cada vez que me perguntam “estás a trabalhar em casa?”, respondo com um “estou, quando não vou para Felgueiras, Lousada ou Ovar.” É só uma espécie de piada, porque é verdade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Já é uma espécie de piada. De cada vez que me perguntam “estás a trabalhar em casa?”, respondo com um “estou, quando não vou para Felgueiras, Lousada ou Ovar.” É só uma espécie de piada, porque é verdade.
Estamos, aqui no PÚBLICO, a fazer o mesmo que a maioria dos portugueses — fechados em casa, a trabalhar à distância, sem nos vermos uns aos outros, sem o barulho da redacção, sem a troca de conversas numa pausa para um café que, às vezes, são a origem de mais uma ideia para uma reportagem. Só que não estamos sempre, porque quando é preciso ir para a rua, vamos.
Fui para Felgueiras e Lousada na segunda-feira em que as duas localidades encerraram todas as escolas e muitos serviços, antecipando-se ao que aconteceria, dias depois, em todo o país. Fui para Ovar no dia em que se soube que iria ser decretado o estado de calamidade no concelho e criado um cordão sanitário em torno da zona.
Em todos estes locais, não encontrei pânico, nem raiva. Havia uma calma palpável nas pessoas, o receio nos olhos de muitos e a incerteza sobre o que aí vinha em todos. As pessoas com quem falei mostraram compreensão pelas medidas radicais e inéditas que lhes estavam a pedir, e prometiam cumpri-las, mesmo que isso significasse uma mudança demasiado drástica para abarcarmos todo o seu significado.
Saí das duas reportagens com a certeza (tanta quanto nos é permitida) que nunca estivera em risco. Não tocara em nada nem em ninguém, mantivera sempre a distância de segurança. Ninguém espirrou ou cuspiu na minha direcção. Eu vim tranquila, mais tranquila do que estavam os familiares e amigos com a minha incursão em territórios que, neste momento, são sinónimo de medo para grande parte das pessoas.
Fechados em casa, nestes tempos estranhos em que a janela parece ser todo o nosso horizonte, e a tentar escapar às mensagens alarmistas e mentirosas que circulam em tantos lados, podemos, às vezes, cair na tentação de acreditar que o pânico tomou conta de nós. Que estamos todos sozinhos e não vamos conseguir sair disto. Mas isso não é verdade.
A verdade é que a maioria das pessoas está a fazer o seu melhor para cumprir o que nos pedem num esforço para nos mantermos, e aos nossos, em segurança. E isso só é visível para quem está fechado em casa se pudermos continuar a ver para lá da nossa janela.
Agora, mais do que nunca, é importante que não percamos a noção do que se passa além do curto horizonte que nos impusemos. Que nós o continuemos a contar, em palavras e imagens. Por isso, os nossos fotojornalistas têm saído para a rua todos os dias. Foram comigo para Lousada, Felgueiras e Ovar, mas foram, e continuam a ir, para muitos outros sítios. Todos os dias saem de casa para nos mostrarem as mudanças que as notícias anunciam.
Mostram-nos ruas vazias, esplanadas arrumadas, pessoas de máscara e luvas nas mais básicas tarefas do dia-a-dia, manhãs e tardes de sol sem gente que o aproveite. Mostram-nos as barreiras que nos cortam o acesso à fronteira, ao amigo que vive noutra cidade. A proibição de irmos onde sempre nos deixaram entrar, onde queríamos que todos, de todo o mundo, fossem. Mostram-nos o rosto da emergência das tendas que se preparam para acolher os doentes, quando, e se, os hospitais já não conseguirem responder. E o mercado. Mostram-nos o mercado que, apesar de tudo, apesar de novas roupagens e máscaras e luvas, continua a funcionar. E até nos mostram abraços, nestes tempos em que a palavra soa a proibição.
É muito fácil em dias como estes pensarmos que estamos sozinhos, esquecermo-nos que as ondas continuam a rebentar no mar e que a Natureza continua a transformar-se, acomodando-se à Primavera que já chegou e preparando o Verão, que soa a esperança.
E por isso é imprescindível continuarmos a ver, todos os dias, o que acontece lá fora. O vazio dos espaços abertos, que é só o testemunho de nosso esforço para nos mantermos isolados, e a vida que, apesar de tudo, continua. Como vai continuar, quando a presença do vírus já não for sinónimo de impotência e as ruas se voltarem a encher outra vez. E também aí, como sempre, teremos estas imagens para mostrar.