Contra o racismo
A agenda populista e nacionalista, que ganha espaço na Europa, põe a nu o pensamento racista e xenófobo que prolifera nas sociedades dos países europeus.
Dia 21 de março assinala-se o Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial. Este dia, proclamado pelas Nações Unidas, destaca o massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960, quando, numa manifestação contra o Lei do Passe, que obrigava a população negra a usar um cartão que dizia por onde podia circular, a polícia disparou, matando 69 pessoas e ferindo 186.
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Dia 21 de março assinala-se o Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial. Este dia, proclamado pelas Nações Unidas, destaca o massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 1960, quando, numa manifestação contra o Lei do Passe, que obrigava a população negra a usar um cartão que dizia por onde podia circular, a polícia disparou, matando 69 pessoas e ferindo 186.
Em julho de 2019, a Assembleia da República produziu um relatório parlamentar sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial em Portugal, do qual fui relatora. Já este ano, o PS apresentou um projeto de resolução que recomenda ao Governo ações concretas em áreas como a educação, a habitação, o trabalho, a justiça ou a administração interna retiradas das recomendações do relatório parlamentar.
A expressão do racismo tem tido um conjunto de episódios que nos interpelam para uma ação política de combate ao fenómeno. Mais recentemente, destaca-se a alegada violência policial desproporcional contra Cláudia Simões e o caso Marega, tornando-se a decisão individual do jogador de abandonar o campo, perante insultos racistas, num ato político de grande significado. Mais do que o ato corajoso do jogador, interpela-nos a incapacidade dos diferentes atores desportivos responsáveis no campo, de agirem condenando a ação inequivocamente racista.
Também a agenda populista e nacionalista, que ganha espaço na Europa, põe a nu o pensamento racista e xenófobo que prolifera nas sociedades dos países europeus e que tem levado a ações sociais e posturas políticas perigosas e inaceitáveis.
Outro aspeto relevante hoje é a capacidade de pessoas afrodescendentes e ciganas, através de associações e coletivos, ocuparem o espaço público expondo as suas experiências de discriminação com base na origem étnico-racial, reivindicando direitos de igualdade, de cidadania e de combate ao racismo estrutural.
A posição política destes movimentos está a provocar um debate que tardou em Portugal. Por um lado, escondido atrás da autoimagem nacional de país que se abriu ao mundo, que era bondoso com os indígenas das colónias, assente na teoria luso-tropicalista de Gilberto Freyre. Por outro lado, o confronto com o pensamento dominante, que considera discriminatório o princípio diferenciador com base em “raças” e etnias, assumindo como condições de desigualdade apenas os rendimentos e a classe, com abertura ao género.
Há uma tensão latente entre o poder dominante e o ativismo dos grupos racializados que lutam para que o fator étnico-racial seja assumido como fator de desocultação do racismo e da discriminação. É exemplo a oportunidade que se perdeu de recolher dados étnico-raciais nos Censos 2021.
O desafio está na forma como estas narrativas e a realidade se conjugam na sociedade portuguesa atual. Grande parte da diversidade étnico-racial faz-se de pessoas afrodescendentes que têm nacionalidade portuguesa, e que hoje, 45 anos após a descolonização, continuam a viver numa sociedade que não olha para elas como iguais. Só entre 2007 e 2017, meio milhão de pessoas obtiveram nacionalidade portuguesa, uma grande parte delas afrodescendentes, além de todas as que nasceram em Portugal. Assim como de pessoas ciganas, a única minoria étnica de portugueses, cujos antepassados remontam ao século XV. Nas próximas décadas, considerando os fluxos migratórios, a nossa sociedade contará com muitos portugueses de origem asiática.
É urgente enfrentar o racismo sem tibiezas. O populismo e o nacionalismo que proliferam na sociedade, que crescem nas intenções de voto, cujo discurso radical assenta numa narrativa racista e xenófoba, atacando os direitos humanos e o politicamente correto assumindo esta postura como um ato “libertário”, a par da desigualdade étnico-racial não assumida e muitas vezes dissimulada que corrompe a democracia, exige urgência no combate ao racismo e ação nas políticas públicas, integrando obviamente o pensamento das pessoas racializadas, como prioridade política em Portugal.