Clubes cortam salários e contratos: a outra sequela da pandemia
O basquetebol já tem tido “baixas” nos plantéis e algumas reduções salariais, mas, no futebol, o futuro breve parece ser bem mais negro - já há clubes em incumprimento, mesmo nas Ligas profissionais.
Vários clubes de futebol começaram a pressionar os jogadores para reduzirem os seus salários, numa tentativa de aproveitamento da crise do novo coronavírus. A “quarentena desportiva”, por suspensão dos campeonatos, está a deixar de corda na garganta vários clubes desportivos e o PÚBLICO sabe que alguns jogadores foram deixados à sua sorte, nomeadamente estrangeiros contratados para formações do Campeonato de Portugal.
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Vários clubes de futebol começaram a pressionar os jogadores para reduzirem os seus salários, numa tentativa de aproveitamento da crise do novo coronavírus. A “quarentena desportiva”, por suspensão dos campeonatos, está a deixar de corda na garganta vários clubes desportivos e o PÚBLICO sabe que alguns jogadores foram deixados à sua sorte, nomeadamente estrangeiros contratados para formações do Campeonato de Portugal.
Apesar de o impacto nas Ligas profissionais estar mais controlado e os clubes em geral terem condições para acabar a época, há, entre as 36 equipas profissionais, cinco em incumprimento. Um deles é o Desportivo das Aves, um caso mais grave do que os restantes, com os jogadores a terem salários em atraso. Uma situação que não pode ser atribuída totalmente aos efeitos da suspensão das provas – o clube está em incumprimento desde Janeiro.
Contudo, há outros casos, sobretudo no futebol profissional, em que os clubes já anteciparam e garantiram receitas televisivas, um factor que relativiza o peso do novo coronavírus em toda a situação de incumprimento salarial e que cunha, ainda mais, o cenário de oportunismo e aproveitamento do cenário da pandemia para os casos já existentes.
O PÚBLICO sabe que já foi criado um grupo de trabalho entre a Liga de Clubes e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF) para a gestão de toda esta crise no futebol português, quer em matéria de contratos quer na conclusão das competições, sendo que o SJPF, que tem acompanhado as situações, já accionou, em alguns casos, o fundo de garantia salarial.
Este mecanismo não deverá, porém, ser suficiente para resolver todas as situações, já que, só no Campeonato de Portugal – o principal foco de problemas – existem 72 equipas.
Layoff é possibilidade
O incumprimento puro e duro será, evidentemente, uma prática ilegal, mas existem outros mecanismos ao dispor dos clubes, num cenário em que não há teletrabalho que valha a um atleta de alta competição.
Para além das rescisões e reduções salariais, um cenário possível no desporto nacional, caso a crise pandémica se prolongue e a suspensão dos campeonatos se mantenha, poderá ser o layoff [suspensão dos contratos de trabalho, com a Segurança Social a assegurar parte dos vencimentos].
O advogado Rui Vaz Pereira defende ao PÚBLICO que este mecanismo, apesar de pressupor vários requisitos que têm de ser cumpridos, “não parece ser, em tese, incompatível com a natureza da relação jurídica desportiva (…) e o recente mecanismo de layoff simplificado parece poder ser aplicável a qualquer tipo de empresas e, por maioria de razão, aos clubes/sociedades desportivas”.
Isto equivale a dizer que os clubes poderão, em muitos casos, optar por esta solução, sendo que a contribuição da Segurança Social, por ter um limite (cerca de 1900 euros), nunca daria aos atletas do futebol profissional a totalidade dos vencimentos contratualizados.
Lá fora, um caso badalado tem sido o do Sion, clube suíço que quis impor ao plantel um tecto salarial. E os atletas que não responderam ao repto foram… despedidos. O clube decidiu rescindir unilateralmente os vínculos com nove jogadores, entre os quais o ex-Sporting Seydou Doumbia.
O advogado Rui Vaz Pereira admite que a crise pandémica do covid-19 "possa aproximar-se de uma figura de força maior” para rescisão unilateral de contrato, mas alerta para o facto de ser necessário, “em cada caso concreto, avaliar se esse motivo será suficiente para que o clube possa cessar unilateralmente os contratos”.
Basquetebol com várias baixas
No basquetebol, vários contratos desportivos em Portugal têm sido quebrados antes do tempo. Outros mantêm-se, mas com pedidos para que os atletas aceitem reduções salariais.
Muitos jogadores de vários clubes das duas primeiras divisões nacionais de basquetebol, sobretudo os norte-americanos, já abandonaram o país nos últimos dias, num final antecipado dos contratos de trabalho.
O PÚBLICO falou com alguns destes jogadores, com a maioria a recusar detalhar o assunto das pressões dos clubes, ainda que um tenha garantido que teve uma redução salarial de 50%, ainda antes da rescisão do contrato.
Algo que, segundo esclarece o advogado Rui Vaz Pereira, é difícil enquadrar como prática legal. “Regra geral, é proibido ao empregador diminuir a retribuição, mesmo com o acordo do trabalhador. Salvo em situações contratuais específicas (como redução da retribuição por descida de divisão), não parece ser possível aos clubes imporem uma redução salarial unilateral aos seus jogadores”, explica.
Noutro prisma, vários atletas quiseram, por si mesmos, deixar os clubes. E, neste cenário, todos eles tiveram colaboração da parte das direcções, até por haver uma comunhão de interesses – jogadores a quererem regressar aos seus países e clubes, para além da sensibilidade humana, a quererem reduzir a folha salarial.
Foi o caso de David Shepard, do Barreirense, ou Tanner Omlid e Dominic Robb, do Imortal, que garantiram total apoio dos clubes e pagamentos certos até ao dia em que deixaram o país.
O primeiro sente-se “aliviado por ter regressado aos Estados Unidos antes de Trump fechar as fronteiras”, não planeia regressar ao Barreirense, por querer “um contrato mais lucrativo para fazer mais dinheiro”, e garante que só tem coisas boas a dizer da conduta do clube do Barreiro. De notar que o Barreirense, em plena luta pela permanência, aceitou abrir mão do seu jogador em maior foco e um dos melhores marcadores da primeira divisão.
Já Omlid pediu expressamente ao Imortal de Albufeira para regressar ao seu país. “Eles disseram-me que eu poderia ficar no clube, se quisesse, mas achei que seria melhor regressar a casa. Eu e a minha mulher estávamos com medo de que o aparthotel onde estávamos e os restaurantes onde vamos almoçar e jantar pudessem fechar em breve. Sei de clubes que romperam os contratos aos jogadores, mas o Imortal não”, detalhou.