Anabela e Jorge Valente no Laos: “Como saíremos de cá, isso é que não sabemos”
Anabela e Jorge Valente são viajantes — deslocam-se de moto — e fundadores da revista Diaries Of - Travel Inspirations. Escrevem para a Fugas a partir do Laos.
Entrámos no Laos há um mês, vindos do Camboja onde acabava de se registar o primeiro caso do país. Na fronteira (terrestre) não houve qualquer controlo de temperatura. Não nos surpreendeu, na altura também achávamos que estaria a haver algum exagero dos media...
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Entrámos no Laos há um mês, vindos do Camboja onde acabava de se registar o primeiro caso do país. Na fronteira (terrestre) não houve qualquer controlo de temperatura. Não nos surpreendeu, na altura também achávamos que estaria a haver algum exagero dos media...
Hoje de manhã verificámos mais uma vez as estatísticas. 5,839 mortes e continuamos com zero casos no Laos, país fronteiriço com a China. A OMS está a trabalhar aqui no terreno e testou recentemente 59 casos. Todos negativos. O que se passa? Sorte ou milagre? Há quem diga que seja o calor, ou a demografia rural e o escasso número de transportes públicos. Não parece ter havido medidas especiais do governo para limitar a entrada a viajantes, excepto o fecho da fronteira com a China. Enquanto os vizinhos Camboja, Tailândia e Vietname já fecharam (ou preparam-se para fechar) fronteiras, de acordo com o país de origem dos viajantes, no Laos não se encontra em lado nenhum informação sobre as limitações de entrada. Talvez elas existam, nós não as encontramos.
A vida das gentes locais parece-nos quase normal. O uso de máscaras nos países asiáticos não é novidade (principalmente por causa da poluição), por isso não sabemos se quem as usa o faz pelo novo vírus ou por hábito. Não nos parece haver mais máscaras agora do que há dois meses. Os mercados continuam cheios de frutas, legumes, carne e peixe. Se um dia o governo decretar a quarentena, não sei como será possível fazer açambarcamento por aqui. A maior parte das casas não terá sequer um frigorífico quanto mais uma arca congeladora. Neste aspecto, a vida parece-nos não ter mudado. Porque haveria? Não há casos no Laos!
Mas há algo que mudou, e sente-se a desolação por traz dos sorrisos genuinamente simpáticos. Este vírus reduziu o turismo drasticamente. Primeiro desapareceu o turista chinês, e aos poucos foram desaparecendo os outros vindos de mais longe, os coreanos, os japoneses, os australianos, os europeus, os americanos.
Saímos ontem de Vang Vieng, uma das cidades mais turísticas do Laos, onde em plena época alta, vimos um grande número de hotéis encerrados. As esplanadas dos restaurantes à margem do Mekong, outrora cheias de vida, estão desertas. A devastação está também estampada no rosto dos comerciantes de artesanato local, de cujas vendas dependem famílias (e até mesmo comunidades) inteiras.
Esta é uma das razões pelas quais sentimos algum conforto em ficar por cá. O que cá gastamos vai directamente para as pequenas famílias, que neste momento serão provavelmente as que mais sentem os efeitos secundários do vírus. A outra razão pela qual ficamos, é porque estamos cá em trabalho, e ainda temos material a recolher para podermos apresentar o Laos (que nos tem surpreendido e acarinhado bastante), na nossa próxima revista.
Como sairemos de cá, isso é que não sabemos. Estamos a viajar com a nossa moto, e para já o Vietname e o Camboja já fecharam as fronteiras. O plano original seria de seguir pela Tailândia e deixar a moto na Malásia antes de regressar a casa. Se a Tailândia fechar as fronteiras nos próximos dias, teremos um problema a resolver. Mas esse será apenas um problema de luxo, dadas todas as dificuldades pelas quais o mundo inteiro está a passar...
Este texto foi escrito no dia 15 de Março de 2020