João Leitão: “Nada acaba no supermercado em Marrocos, preparado para o Ramadão”
João Leitão é viajante, blogger e fundador da agência de viagens RJ Travel Agency e do hotel Dar Rita. Escreve a partir de Ouarzazate, em Marrocos, onde vive.
A situação Coronavírus no mundo e a maneira como está a evoluir é sem dúvida muito preocupante. Penso que esta pandemia vai mexer na economia mundial de maneira drástica e vai levar alguns anos a recuperar.
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A situação Coronavírus no mundo e a maneira como está a evoluir é sem dúvida muito preocupante. Penso que esta pandemia vai mexer na economia mundial de maneira drástica e vai levar alguns anos a recuperar.
Desde que comecei a ver os números de infectados a crescer na Europa, percebi que as conjunturas eram graves e que algo inquietante estava prestes a acontecer. Desde o inicio do mês que tento sair o menos possível e já aconselhei muitas vezes nas redes sociais do meu blogue de viagens, para as pessoas que têm essa possibilidade, de ficarem em casa e não viajarem.
Moro na cidade de Ouarzazate no sul de Marrocos, local histórico e altamente turístico por estar na rota de Marraquexe até ao Deserto do Saara. As últimas duas semanas foram um pouco desafiadoras, porque trabalho com turismo, e porque centenas de viajantes passam por aqui diariamente. Mudei os meus hábitos de compras por exemplo, começando a ir a locais mais afastados do centro da cidade, optando por supermercados e pequenos negócios em bairros periféricos, para evitar os locais de passagem de turistas.
A nível profissional, esta situação afecta-me consideravelmente. Eu e a minha irmã, tivemos que cancelar a nossa viagem a Lisboa, para participar na BTL com a nossa Agência de Viagens. A feira de turismo foi adiada para Maio, mas tampouco me parece que se vá concretizar nessa altura. Estava a preparar uma série de viagens para levar grupos de viajantes ao Irão, Marrocos e Síria para os próximos meses, algo que ficará em lista de espera até tudo estabilizar. Na sexta-feira passada, encerrámos o nosso hotel Dar Rita por tempo indeterminado, após dez anos em funcionamento. Fizemos uma limpeza profunda para protecção de equipamento e mandámos os empregados para casa. Não tenho plano para viajar no futuro próximo. A nível pessoal e tendo em conta do que se está a passar, penso que a viagem à Tailândia em Janeiro e à Síria em Fevereiro foram as únicas possíveis de se concretizar em 2020.
A situação em Marrocos parece organizada. O Governo marroquino tomou desde cedo medidas preventivas, suspendendo todos os voos e ferries internacionais, e as fronteiras com Espanha e Mauritânia estão devidamente encerradas. Depois de alguma confusão logística devido ao cancelamento súbito de voos, todos os estrangeiros foram devidamente repatriados. A nível económico e para quem tem empresas, o Estado marroquino pagará a partir do próximo mês, a segurança social de todos os trabalhadores e adiará o pagamento de créditos bancários durante o tempo da pandemia. Famílias mais carenciadas serão também isentas do pagamento da factura da água e luz.
Presentemente todos os 58 casos de Corona em Marrocos são de estrangeiros turistas, ou de marroquinos que vieram infectados de países como Itália, Espanha, Egipto e França. De modo que, o país fechou, e ninguém entra.
Após o Governo decretar o encerramento de todos os estabelecimentos de ensino, cafés, restaurantes, hammams e mesquitas, há pouca gente nas ruas, e nota-se principalmente por não haver crianças a brincarem fora de casa. Vê-se ainda muita contenção nas pessoas, e há um olhar de desconfiança no ar. Muitas pessoas já mantêm distância entre si na rua e nas lojas, e não apertam as mãos nem dão beijos para a saudação básica muçulmana. Aglomerados com mais de 50 pessoas, mercados e conferências, estão proibidos há pelo menos duas semanas. Já se começa a ver algumas pessoas a usar luvas e máscaras em locais de trabalho.
Depois de o número de casos em Marrocos subir ligeiramente e de um ministro ter dado positivo após de ter voltado da Europa numa viagem de trabalho, há muitos marroquinos a comprarem imensa coisa, mas é tudo reposto rapidamente, já que o país está preparado para o mês de Ramadão que se aproxima, em que toda a gente compra tudo em grande quantidade. Ou seja, nada acaba no supermercado, porque o cenário de invadir supermercados durante esse mês festivo marroquino não é nada em comparação com o que está a acontecer agora. De qualquer maneira o governo e fornecedores, dizem que Marrocos está preparado para seis meses de mantimentos em caso de crise.
Desde dia 18 de Março à tarde, e apesar de não estar declarado estado de emergência, há caravanas de carros da Gendarmeria Real, carrinhas de policia de choque, oficiais de saúde, e militares, a patrulhar as cidades com altifalantes e megafones a alertar e avisar os cidadãos para não saírem de suas casas até serem informados de contrário. Está a ser implantada pelas forças de autoridade, uma consciência cívica, para garantir a segurança pública dos seus habitantes, e para tentar que o vírus não se propague como está a acontecer no resto do mundo. Muitas cidades marroquinas transformaram-se em cidades fantasma. Para quem conhece Marrocos, sabe que é algo difícil de imaginar já que está tudo sempre cheio de gente por todo o lado.
Desejo boa sorte a toda a gente para superar esta instabilidade da melhor maneira possível.
Este texto foi escrito a 18 de Março