Peixes, cisnes, patos. A quarentena está a deixar as águas de Veneza cristalinas e com nova vida
Um “milagre” das águas: o novo coronavírus teve um efeito colateral inesperado e, pela primeira vez em décadas, a água dos canais está tão transparente que voltou a ter “novos” residentes.
Itália enfrenta uma das maiores tragédias da sua história recente, com o registo de quase 3000 mortos, 275 em apenas 24 horas, devido à covid-19. Todo o país está em quarentena e Veneza, uma das cidades mais turísticas do país, vê-se agora deserta e silenciosa.
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Itália enfrenta uma das maiores tragédias da sua história recente, com o registo de quase 3000 mortos, 275 em apenas 24 horas, devido à covid-19. Todo o país está em quarentena e Veneza, uma das cidades mais turísticas do país, vê-se agora deserta e silenciosa.
O vazio lá fora, no entanto, está a ter um efeito colateral inesperado. Os habitantes da cidade começaram a notar que a água dos canais se tornou transparente. Pela primeira vez em muitos anos, é possível ver peixes a nadar sob o leito arenoso, avistam-se cisnes e patos (que sempre por ali andaram mas agora aproveitam melhor a liberdade sem concorrência).
Até há bem pouco tempo, um grupo no Facebook chamado Venezia Pulita (Veneza Limpa) dedicava-se à luta pela preservação da região lagunar e contra os problemas ambientais da cidade: a poluição, os sacos de lixo por recolher, os projectos urbanísticos polémicos ou mesmo a indicação de locais com água potável onde era possível reabastecer cantis para evitar o consumo de plástico.
Mas no último mês, à medida que a cidade se esvazia de qualquer factor de normalidade e a consternação invade cada casa, multiplicam-se as fotografias e os vídeos que mostram uma outra Veneza: canais sem trânsito de gôndolas e outros barcos, cristalinos, onde se multiplicam os peixes e se avistam garças, cisnes e outros animais (circulam também fotografias de golfinhos, mas são falsas, segundo afiança nos comentários um dos administradores do grupo, Marco Capovilla).
“Dias de silêncio para ouvir os sons quase esquecidos, dias de água calma e próxima, água transparente, água para os remos, para os animais dos canais e bancos de areia, dias para reflectir sobre como podemos ajudar a lagoa no nosso quotidiano, para uma mudança decisiva”, escreve Capovilla numa das publicações.
Nas fotografias, diz noutro post, vê-se a natureza a reclamar o seu lugar. “Milhares de peixes a poucos passos de um esgoto em plena actividade. A natureza recupera-se e Veneza, a pouco e pouco, vai voltar a ter uma nova consciência e novas oportunidades.”
“A beleza salvará o mundo numa Burano deserta [antiga cidade piscatória da região de Veneza, famosa pelas suas casas coloridas] e os cisnes reapropriam-se dos canais”, mostra Marco Contessa.
“Estamos a viver um momento difícil, mas podemos utilizá-lo para documentar os lados positivos desta quarentena para protecção de Veneza. Ajudem-nos a recolher fotos e vídeos destes dias”, pede Alice Stocco, investigadora na Universidade Ca’ Foscari de Veneza. “Estamos a recolher observações para uma investigação científica que possa ajudar a sugerir sistemas sustentáveis para a lagoa.”
A autarquia de Veneza diz, no entanto, que a mudança nos canais não se deve a uma melhoria da qualidade da água. “A água parece transparente porque existe menos tráfego nos canais, permitindo que os sedimentos fiquem no fundo”, afirmou um porta-voz em declarações à CNN. É o movimento dos barcos, a remo ou a motor, que “geralmente traz os sedimentos para a superfície da água”, dando-lhe o ar turvo habitual. Contudo, a qualidade do ar melhorou, acrescenta o mesmo porta-voz.