Vírus pode permanecer até quatro horas numa moeda

Cientistas norte-americanos concluíram que o novo coronavírus pode permanecer entre dois a três dias nas superfícies de plástico ou de aço inoxidável e 24 horas em superfícies de cartão.

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Carlos Lemos/LUSA

Uma equipa de cientistas norte-americanos divulgou um estudo que revela que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) pode permanecer activo durante até quatro horas nas superfícies de cobre das moedas, 24 horas em superfícies de cartão e entre dois a três dias nas superfícies de plástico ou de aço inoxidável como as torneiras.

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Uma equipa de cientistas norte-americanos divulgou um estudo que revela que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) pode permanecer activo durante até quatro horas nas superfícies de cobre das moedas, 24 horas em superfícies de cartão e entre dois a três dias nas superfícies de plástico ou de aço inoxidável como as torneiras.

Os resultados preliminares do estudo, realizado por investigadores do Instituto Nacional para Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, da Universidade de Princeton, da Universidade da Califórnia e dos Centros para Controlo e Prevenção de Doenças de Atlanta foram publicados, esta terça-feira, na revista científica The New England Journal of Medicine.

Os especialistas analisaram as vias de transmissão tanto do SARS-CoV-2, surgido em Dezembro, em Wuhan, na China, como do vírus responsável pelo surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-1), de 2003. A investigação incidiu sobre a transmissão destes vírus de pessoa para pessoa, por via aérea através de gotículas ou eventuais aerossóis (pequenas partículas que permanecem suspensas no ar e que se podem dispersar por longas distâncias), tendo-se analisado ainda o tempo que ambos permanecem em diferentes tipos de superfícies (de plástico, aço inoxidável, cobre e cartão).

Semelhanças entre o SARS-CoV-2 e o SARS-CoV-1

“O SARS-CoV-2 permaneceu viável em aerossóis durante toda a duração da nossa experiência, de três horas”, começam por referir os autores do estudo, que estabelecem, ao longo do artigo, várias semelhanças entre os comportamentos do SARS-CoV-2 e do SARS-CoV-1.

Os resultados mostraram ainda que o novo coronavírus se revelou “mais estável [em superfícies] de plástico e aço inoxidável”, tendo sido detectada carga viral “até 72 horas após a aplicação [do vírus] nessas superfícies”. Já nos objectos de aço inoxidável, os cientistas detectaram uma redução significativa do vírus após 48 horas.

O cobre é o material onde o SARS-CoV-2 consegue permanecer menos tempo — cerca de quatro horas. Já em superfícies de cartão o vírus consegue permanecer “viável” durante aproximadamente um dia — enquanto o SARS-CoV-1 apenas permanecia em superfícies de cartão até oito horas, sendo esta a principal diferença assinalada.

“Descobrimos que a estabilidade do SARS-CoV-2 era semelhante à do SARS-CoV-1 nas circunstâncias experimentais testadas. Isso indica que as diferenças nas características epidemiológicas desses vírus provavelmente derivam de outros factores, incluindo altas cargas virais no trato respiratório superior e o potencial de pessoas infectadas com SARS-CoV-2 expelirem ou transmitirem o vírus enquanto estão assintomáticas”, concluem os autores.

As conclusões indicam ainda que a transmissão de SARS-CoV-2 através de aerossóis é “plausível”, “uma vez que o vírus pode permanecer viável e infeccioso em aerossóis durante horas e durante dias em superfícies”. Além disso, os especialistas referem que os resultados deste estudo vão ao encontro do verificado com o SARS-CoV-1, cujas “formas de transmissão foram associadas a eventos de propagação nosocomial [nos hospitais] e de rápida propagação”, fornecendo dados que poderão ser úteis na mitigação da pandemia.

Vírus transmite-se principalmente por gotículas

Porém, até agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem defendido que “o vírus que causa a covid-19 transmite-se principalmente através do contacto com gotículas respiratórias, mais do que pelo ar”, cita o El País.

Num relatório de 24 de Fevereiro, a OMS garante que a “covid-19 é transmitida por gotículas e fómites [objecto ou material que pode alojar um agente infeccioso e permitir a sua transmissão] durante o contacto próximo e desprotegido entre um transmissor [infectado] e um receptor”. “A transmissão por via aérea não foi registada para covid-19 e não se crê que seja um dos principais factores de transmissão com base nas provas disponíveis. No entanto, pode prever-se [a transmissão aérea] se determinados procedimentos de geração de aerossóis forem realizados em unidades de saúde”, referia o documento.

Já a Direcção-Geral da Saúde (DGS) revela, no seu site, que a covid-19 se transmite “por contacto próximo com pessoas infectadas pelo vírus, ou superfícies e objectos contaminados”, “através de gotículas libertadas pelo nariz ou boca quando tossimos ou espirramos, que podem atingir directamente a boca, nariz e olhos de quem estiver próximo” ou “depositar-se nos objectos ou superfícies que rodeiam a pessoa infectada”.

Muito permanece ainda por esclarecer sobre este novo vírus, nomeadamente em relação às vias de transmissão deste agente patogénico. Mas certo é que o SARS-CoV-2 é suficientemente contagioso para que, passados três meses de terem aparecido os primeiros casos em Wuhan, fosse declarada uma pandemia mundial. Em média, estima-se que cada pessoa infectada pelo novo coronavírus contagia outras duas ou três pessoas.

Vírus no ar dos quartos dos doentes?

Mas há outros estudos que descartam esta hipótese de transmissão por via aérea. De acordo com um relatório publicado, no início de Março, pelos Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, foram identificados inicialmente dez pacientes com covid-19 nos Estados Unidos (que tinham viajado recentemente) e, posteriormente, monitorizadas, ao longo de 14 dias, 445 pessoas que tinham contactado recentemente com esses dez doentes. Das 445 pessoas, 19 partilhavam a mesma casa com os infectados. Apenas duas pessoas (que eram colegas de casa de algum dos infectados) testaram positivo para o novo coronavírus — o que corresponde a uma taxa de infecção de 0,45% (se contabilizarmos o total de contactos próximos — 445) ou de 10,5% do total de pessoas que partilhavam a casa com um infectado (19).

Um valor que as autoridades consideram baixo e prova de que o vírus não se transmite facilmente por via aérea (mesmo num espaço partilhado), podendo dar-se o exemplo do chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, cujo teste deu negativo, embora a sua esposa, Begoña Gómez, esteja infectada.

Um outro estudo, de investigadores do Centro Nacional de Doenças Infecciosas de Singapura, publicado em Março na revista científica JAMA, analisou os quartos dos doentes com covid-19 hospitalizados em Singapura e não verificou a presença do vírus no ar nem nas superfícies após limpezas de rotina. Já no quarto de um terceiro infectado, local de onde foram recolhidas amostras antes da limpeza do espaço, encontraram-se indícios do vírus, mas não no ar.

Já uma equipa de cientistas da Universidade de Wuhan, onde começou o surto, na China, analisou 35 amostras recolhidas nas unidades de cuidados intensivos e nos quartos dos hospitais onde estiveram internados doentes infectados com covid-19, mas não encontraram vestígios do vírus no ar — a não ser na casa de banho de um dos pacientes. E embora o novo coronavírus já tenha sido detectado nas fezes de pessoas infectadas, não há provas de que a contaminação fecal seja uma via relevante de propagação.

Porém, alguns especialistas defendem que a transmissão do vírus por via aérea poderá eventualmente ser mais comum nos hospitais, principalmente durante alguns procedimentos médicos com doentes infectados — uma hipótese que a própria OMS, no relatório acima citado, não descarta totalmente.

O Ministério da Saúde espanhol assinala, num relatório publicado esta terça-feira, que “se demonstrou recentemente uma permanência do SARS-CoV-2 em aerossóis em condições experimentais entre 21 a 23 graus Celsius e uma humidade relativa de 65%, semelhante ao SARS-CoV-1, com uma meia-vida [tempo necessário para que se reduza a metade] média de 2,7 horas”. “A transmissão aérea ou por aerossóis [capaz de se transmitir a uma distância de mais de dois metros] não foi possível ser verificada no surto de SARS-CoV-2 na China. No entanto, acredita-se que esta poderá ocorrer durante a realização de procedimentos médicos invasivos do trato respiratório. Durante o surto de SARS-CoV-1, de 2003, pôde-se detectar a presença do vírus no ar de quartos de pacientes hospitalizados”, acrescenta o relatório.

Esta terça-feira, Fernando Simón, director do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências de Saúde espanhol, revelou que 4% dos 11.178 casos então confirmados em Espanha correspondiam a profissionais de saúde. Já em Portugal, no mesmo dia, a Ordem dos Médicos denunciou que 20% das pessoas infectadas em Portugal (à data, 448) eram profissionais de saúde.

Cuidado com as interpretações

À plataforma Science Media Centre, Paul Hunter, epidemiologista britânico da Universidade de East Anglia (Reino Unido), refere, no entanto, que é preciso cautela na interpretação destes resultados relacionados com o tempo durante o qual o vírus permanece no ar. Isto porque, segundo diz o especialista, a equipa do Instituto Nacional para Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos utilizou um nebulizador, ou seja, um aparelho para produzir aerossóis do vírus, o que, segundo Paul Hunter, não se aplica ao novo coronavírus, que é principalmente transmitido através de gotículas com um tamanho superior. “As gotas caem do ar com muita rapidez em comparação com os aerossóis, pelo que o risco continua a residir em permanecer a aproximadamente um metro [ou menos] de uma pessoa infectada ou tocar em superfícies onde tenham caído essas gotas”, explicou.

“Num ambiente fechado, um aerossol potencialmente infeccioso de pequenas partículas pode permanecer suspenso no ar durante algum tempo antes de aterrar nas superfícies — pelo que estar ao ar livre ou abrir as janelas é provavelmente uma boa medida. No entanto, tudo isto depende do tamanho das gotículas — os aerossóis são geralmente muito pequenos, enquanto a tosse produz geralmente partículas maiores que assentam rapidamente [nas superfícies]”, diz à Science Media Centre William Keevil, professor de saúde ambiental na Universidade de Southampton. Admitindo que são necessários mais estudos sobre a covid-19, William Keevil ressalva que o facto de o novo coronavírus permanecer durante dias nalgumas superfícies é um risco de higiene”, acrescentando que “é difícil evitar tocar nas maçanetas das portas, puxadores, corrimãos ou ecrãs”, pelo que é essencial ter uma “boa higiene pessoal”.

Questionada, esta segunda-feira, sobre a possibilidade de o vírus permanecer nas superfícies e no ar, Maria Van Kerkhove, epidemiologista da OMS, garantiu que a organização “está ciente de vários estudos que foram publicados”. “Como sabem, este é um vírus que é transmitido através de gotículas. Estes são pequenos pedaços de líquido que saem dos narizes e bocas das pessoas quando tosse, espirram e falam. O que sabemos sobre a transmissão através de gotículas é que, quando elas são lançadas por uma pessoa infectada, percorrem uma certa distância, mas depois aterram. Quando se realiza um processo de geração de aerossóis, como numa unidade médica, há a possibilidade de essas partículas permanecerem um pouco mais tempo no ar”, disse Maria Van Kerkhove, sublinhando que é “muito importante que os profissionais de saúde tomem precauções adicionais”.

“Com os estudos disponíveis até agora, estamos confiantes de que as nossas recomendações são apropriadas”, tranquilizou a epidemiologista, salientando que as pessoas saudáveis não precisam de usar máscaras de protecção para andar na rua.