Estado de emergência por cinco razões. O discurso de Marcelo na íntegra
Mensagem do Presidente da República, a propósito da declaração do estado de emergência na sequência da pandemia da covid-19.
Palácio de Belém, 18 de Março de 2020
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Palácio de Belém, 18 de Março de 2020
Portugueses,
Acabei de decretar o estado de emergência.
Uma decisão excepcional num tempo excepcional.
A pandemia do covid-19 não é uma qualquer epidemia como aquelas que já conhecemos na nossa democracia.
Está a ser e vai ser mais intensa.
Vai durar mais tempo até desaparecerem os seus últimos efeitos.
Está a ser e vai ser um teste nunca vivido ao nosso Serviço Nacional de Saúde e à sociedade portuguesa, chamada a uma contenção e a um tratamento em família sem precedente.
Está a ser e vai ser um desafio enorme para a nossa maneira de viver e para a nossa economia. Basta pensar na saúde, na educação, no comportamento nas famílias, no trabalho, nos efeitos no turismo, nas exportações, no investimento, na fragilização de famílias e empresas, nomeadamente de pequena e média dimensão.
Esta guerra – porque de uma verdadeira guerra se trata – dura há um mês, começou depois dos vizinhos europeus, e, também por isso, pôde demorar mais tempo a atingir os picos da sua expressão.
E o que fizemos nestes últimos 15 dias?
Entendemos – e bem – que, no nosso Estado social, era e é uma tarefa de todos e não de cada um abandonado à sua sorte.
Apostámos na contenção, para tentar limitar o contágio, ganhar tempo para preparar a resposta e evitar uma concentração muito rápida da procura de cuidados de saúde.
Na contenção, o Serviço Nacional de Saúde, fez e continua a fazer heroísmo diário, pela mão dos seus notáveis profissionais.
E, com eles, todos os que estão a garantir a segurança e a produção e distribuição de bens essenciais para que o país funcione.
E os portugueses, com a experiência de quem já viveu tudo numa história de quase nove séculos, disciplinaram-se, entenderam que o combate era muito duro e muito longo e foram e têm sido exemplares. Numa quase quarentena, que revela o bom senso de respeitar as orientações das autoridades de saúde, e digo-vos, por testemunho próprio, é nosso dever acatar as orientações genéricas e, por maioria de razão, as recomendações específicas das autoridades sanitárias.
O Governo – que tem entre mãos uma tarefa hercúlea – adoptou medidas, tentando equilibrar contenção no espaço público e nas fronteiras e não paragem da vida económica e social, medidas que todos, Presidente, Parlamento, partidos e parceiros sociais, apoiámos, conscientes de que só a unidade permite travar e depois vencer guerras.
Aqui chegados, entendi dever convocar o Conselho de Estado, e, nos termos da Constituição, ouvi o Governo e solicitei autorização à Assembleia da República para decretar o estado de emergência.
Sabia e sei que os portugueses estão divididos. Há quem o reclame para anteontem. Há quem considere dispensável, prematuro ou perigoso.
Sabia e sei que, em plena crise, as pessoas se sentem tão ansiosas, tão angustiadas, que aquilo que pedem um dia ou uma semana, uma vez dado, é logo seguido de mais exigências ou reclamações, à medida que as preocupações ou os temores se avolumam.
Sabia e sei que muitos esperam do estado de emergência o milagre que tudo resolva num minuto, num dia, numa semana, num mês.
Ainda assim, entendi ser do interesse nacional dar este passo. Agradeço aos conselheiros de Estado o terem expresso as suas opiniões, ao primeiro-ministro e ao Governo o terem aderido, solidariamente, e colaborado, de modo decisivo, no conteúdo do presente decreto, e à Assembleia da República o tê-lo autorizado com generosa prontidão e amplo consenso.
Cinco razões essenciais explicam o passo dado.
Primeira – Antecipação e reforço da solidariedade entre poderes públicos e deles com o povo. Outros países, que começaram, mais cedo do que nós, a sofrer a pandemia, ensaiaram os passos graduais e só agora chegaram a decisões mais drásticas, que exigem maior adesão dos povos e maior solidariedade dos órgãos do poder. Nós, que começamos mais tarde, devemos aprender com os outros e poupar etapas, mesmo se parecendo que pecamos por excesso e não por defeito.
O povo português tem sido exemplar. Mas este sinal político, dado agora, e dado não apenas pelo Governo, mas por Presidente da República, Assembleia da República e Governo é uma afirmação de solidariedade institucional, de confiança e determinação, para o que tiver de ser feito nos dias, nas semanas, nos meses que estão pela frente.
Segunda – Prevenção. Diz o povo: mais vale prevenir do que remediar. O que foi aprovado não impõe ao Governo decisões concretas, dá-lhe uma mais vasta base de Direito para as tomar. Assim, permite que possam ser tomadas, com rapidez e em patamares ajustados, medidas que venham a ser necessárias no futuro. Nomeadamente, na circulação interna e internacional, no domínio do trabalho, nas concentrações humanas com maior risco, no acesso a bens e serviços impostos pela crise, na garantia da normalidade na satisfação de necessidades básicas, nas tarefas da protecção civil, em que, nos termos da lei, todos já são convocados, civis, forças de segurança e militares. O que seria, mais tarde, se fosse necessário agir, num ou noutro caso, neste quadro preventivo e ele não existisse?
Terceira – Certeza. Esta base de Direito dá o quadro geral de intervenção e garante que, mais tarde, acabada a crise, não venha a ser questionado o fundamento jurídico das medidas já tomadas e a tomar.
Quarta – Contenção. Este é um estado de emergência confinado, que não atinge o essencial dos direitos fundamentais, porque obedece ao fim preciso do combate à crise da saúde pública e da criação de condições de normalidade na produção e distribuição de bens essenciais a esse combate.
Quinta – Flexibilidade. O estado de emergência dura 15 dias, no fim dos quais pode ser renovado, com avaliação, no terreno, do estado da pandemia e sua previsível evolução.
É um sinal político forte de unidade do poder político, que previne situações antes de poderem ocorrer, estabelece um quadro que confere certeza, dá poderes ao Governo mas não regidifica o seu exercício, e permite reavaliação na sua aplicação num combate que muda de contornos no tempo.
É também um sinal democrático.
Democrático, pela convergência dos vários poderes do Estado.
Democrático, porque é a democracia a usar os meios excepcionais que ela própria prevê para tempos de gravidade excepcional.
Não é uma interrupção da democracia. É a democracia a tentar impedir uma interrupção irreparável na vida das pessoas.
Não é, porém, uma vacina, nem uma solução milagrosa, que dispense o nosso combate diário, o apoio reforçado ao Serviço Nacional de Saúde, a capacidade de pessoas e as famílias continuarem a tentar limitar o contágio, para que os números a crescer cresçam menos do que os piores cenários e para que o tratamento possa ser, cada vez mais, em casa. Tudo mais cedo do que mais tarde.
Até porque, num ponto, os especialistas são claros – depende da contenção nestas próximas semanas o conseguirmos encurtar prazos, poupar pacientes e, sobretudo, salvar vidas.
Temos, pois, todos de fazer por contribuir para ir o mais longe e o mais depressa possível nesta luta desigual.
E quanto mais depressa formos, mais depressa poderemos salvar vidas, salvar a saúde, mas também concentrarmo-nos nos efeitos, a prazo, no emprego, nos rendimentos, nas famílias, nas empresas.
E, mesmo agora, só se salvam vidas e saúde se, entretanto, a economia não morrer.
Por isso, o Estado está a ajudar a economia a aguentar estes longos meses mais agudos. Fazendo o que possa para proteger o emprego, as famílias e as empresas.
Mas nós temos de fazer a nossa parte. Não parar a produção, não entrar em pânicos de fornecimentos como se o país fechasse, perceber que limitar contágio e tratar de contagiados em casa é e tem de ser compatível com manter viva a nossa economia.
Assim é em tempo de guerra, as economias não podem morrer.
Termino com um pedido.
Nesta guerra, como em todas as guerras, só há um efectivo inimigo, invisível, insidioso e, por isso, perigoso.
Que tem vários nomes.
Desânimo. Cansaço. Fadiga do tempo que nunca mais chega ao fim.
Temos de lutar, todos os dias, contra ele.
Contra o desânimo pelo que corre mal ou menos bem.
Contra o cansaço de as batalhas serem ainda muitas e parecerem difíceis de ganhar.
Contra a fadiga que tolhe a vontade, aumenta as dúvidas, alimenta indignações e revoltas.
Tudo o que nos enfraquecer nesta guerra alongará a luta e torná-la-á mais custosa e dolorosa.
Resistência, solidariedade e coragem são as palavras de ordem. E verdade, porque nesta guerra, ninguém mente nem vai mentir a ninguém.
Isto vos diz e vos garante o Presidente da República. Por vós directamente eleito para ser, em todos os instantes, os bons e os maus, o primeiro e não o último dos responsáveis perante os portugueses.
O caminho ainda é longo, é difícil e é ingrato.
Mas não duvido um segundo sequer de que vamos vencê-lo o melhor que pudermos e soubermos.
Na nossa História, vencemos sempre os desafios cruciais.
Por isso temos quase novecentos anos de vida.
Nascemos antes de muitos outros. Existiremos ainda, quando eles já tiverem deixado de ser o que eram e como eram.
Deixem-me terminar com um exemplo de como somos.
O exemplo da neta, enfermeira, que, no dia em que perdeu o seu avô, a primeira vítima mortal, me dizia: “Presidente, já só faltam nove dias para eu regressar à luta.”
Somos assim. Porque somos Portugal.