Depois do ébola África prepara-se para enfrentar a pandemia de covid-19
Os países africanos esperam que a experiência na protecção contra o ébola e outras epidemias ajude o sistema de saúde a lidar com a pandemia de covid-19.
A pandemia de coronavírus já chegou a pelo menos 26 dos 49 países da África Subsariana. A maior parte dos casos registados são de pessoas provenientes do exterior, nomeadamente da Europa.
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A pandemia de coronavírus já chegou a pelo menos 26 dos 49 países da África Subsariana. A maior parte dos casos registados são de pessoas provenientes do exterior, nomeadamente da Europa.
As autoridades de saúde temem que a doença chegue às áreas mais pobres de África, pois a falta de condições pode fazer com que o vírus se espalhe rapidamente. Os hospitais não têm capacidade porque estão sobrelotados com casos de sarampo, malária e outras doenças infecciosas mortais.
Em várias áreas africanas não é viável pedir às pessoas para entrarem em quarentena voluntária, uma vez que muitas famílias habitam num único quarto e partilham a mesma casa de banho.
No sábado, um passageiro chegou, vindo de Bruxelas, ao aeroporto Yaounde Nsimalen, nos Camarões. Foi medida a temperatura e tinha febre. Foi imediatamente levado pelas autoridades de saúde para o hospital. Quatro horas depois foi diagnosticado como o quarto caso de coronavírus no país.
O país da África Central realiza uma triagem de controlo de doenças, ainda antes de a China revelar o aparecimento do novo coronavírus, que já matou cerca de 7000 pessoas em todo o mundo. Este e outros países do continente esperam que a experiência na protecção contra o ébola e outras epidemias ajude o sistema de saúde a lidar com a pandemia de covid-19.
Georges Alain Etoundi Mballam, director do Controlo de Doenças do Ministério da Saúde, disse à agência Reuters que “as epidemias vêm e vão, mas a vigilância continua”, acrescentando que “há casos que passaram pelas medidas da França e de Itália e que foram detectamos” no país.
“A África deve preparar-se para um sério desafio”, disse John Nkengasong, chefe do Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC). “Ainda acredito que a contenção é possível, mas apenas com testes e vigilância extensos”.
A experiência do ébola
No Sudão do Sul, devastado por uma guerra de civil que durou cinco anos, o Governo tem apenas 24 camas para isolamento, num país que tem 12 milhões de pessoas.
Angok Gordon Kuol, da equipa de gestão do surto de coronavírus do Ministério da Saúde, diz que as autoridades públicas estão a tentar incentivar as pessoas a lavarem as mãos, mas muitas delas nem sequer têm acesso a água corrente e não têm como comprar sabões.
Junto à fronteira não há locais para isolar casos suspeitos e o Sudão não tem profissionais de saúde suficientemente qualificados, segundo um relatório divulgado na semana passada pelo ministro da Saúde do Burkina Faso. “Isto pode resultar em altas taxas de mortalidade e um risco exponencial de espalhar a doença”.
O CDC de África, criado pela União Africana em 2017, tem vindo a trabalhar com a Organização Mundial de Saúde (OMS) para fortalecer a coordenação de emergência, melhorar os testes e a vigilância e equipar centros de tratamento.
“Conhecemos a fragilidade do nosso sistema e, por isso, quando o surto foi declarado, os países entraram em acção”, disse Mary Stephen, directora técnica do escritório da OMS na África.
O número de países com laboratórios capazes de diagnosticar a covid-19 na região aumentou de dois para 39 em pouco mais de um mês. Há ainda oito países em que estes laboratórios não existem.
Nos principais aeroportos é medida a temperatura aos viajantes e é-lhes também solicitado que preencham um questionário de viagem.
Com três casos confirmados, a Nigéria está a unir esforços para aumentar o número de camas de isolamento e fornecer formação e equipamentos médicos mais especializados aos hospitais.
"É porque estamos um pouco preocupados com a nossa capacidade de lidar com um grande surto, que estamos tão intensamente focados na prevenção e detecção precoce”, disse Chikwe Ihekweazu, director do Centro de Controlo de Doenças da Nigéria.
Promover uma boa higiene é uma parte essencial desse esforço. Mas isso é mais fácil dizer do que fazer. De acordo com uma pesquisa das Nações Unidas realizada em 2017, menos de metade da população, em 34 países africanos, tem instalações básicas de higiene nas suas casas.
Apelo à limpeza
No Dacar, capital do Senegal, passam carros com altifalantes que pedem às pessoas que lavem as mãos. No subúrbio de Pikine, onde vive mais de um milhão de pessoas, a água é cortada frequentemente. “A limpeza é importante, mas aqui não é fácil”, disse Marcelle Diatta, de 41 anos, mãe de quatro filhos que vive num apartamento de dois quartos com quatro membros da família.
Khary Faye Sougou, enfermeira-chefe do centro de saúde local de Pikine, disse que estava a incentivar os moradores a armazenar garrafas de água, mas nem todos podem dar-se ao luxo de o fazer.
No Senegal, que registou 27 casos de covid-19, a equipa médica disse que recebeu equipamentos de protecção limitados, além de luvas e máscaras extras.
Segundo as autoridades de saúde, existem amplos “stocks” de máscaras e luvas e camas suficientes para acomodar dezenas de outros pacientes. No entanto, não há reservas de ventiladores, que são escassos em toda a África.
Na África do Sul, que registou 62 casos de coronavírus, os serviços médicos podem ser “inundados” se este se espalhar pelas vastas favelas do país, disse Susan Cleary, economista da Universidade da Cidade do Cabo.