Com parte do país em casa, as audiências da televisão portuguesa são históricas
Desde sexta-feira, mais 623 mil pessoas viram televisão do que habitualmente. Os estúdios esvaziaram-se e as grelhas podem sofrer mais à frente, mas desde o início da década que não se via tanta TV. “É mais do que nunca o meio que todos procuram. E por isso aqui estamos.”
O efeito coronavírus está a dar aos canais generalistas nacionais audiências-recorde. Um país aconselhado a ficar em casa significa uma forte subida das audiências. Só no domingo, 31,6% dos portugueses, em média, estiveram frente à televisão. É um máximo dos últimos oito anos, “um dia histórico” nas palavras dos directores de programas da TVI e da RTP1, uma prova da “centralidade inequívoca” da televisão generalista, acrescenta o director de programas da SIC.
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O efeito coronavírus está a dar aos canais generalistas nacionais audiências-recorde. Um país aconselhado a ficar em casa significa uma forte subida das audiências. Só no domingo, 31,6% dos portugueses, em média, estiveram frente à televisão. É um máximo dos últimos oito anos, “um dia histórico” nas palavras dos directores de programas da TVI e da RTP1, uma prova da “centralidade inequívoca” da televisão generalista, acrescenta o director de programas da SIC.
Há dias que a covid-19 condiciona a programação da SIC, TVI e RTP, que de repente não podem estrear o Big Brother 2020 (TVI), ter a líder de audiências Cristina Ferreira em directo (SIC) ou passar noites com Filomena Cautela e Herman José (RTP). Há mais horas de informação e desapareceram alguns programas. Primeiro, os programadores aplicaram medidas de segurança. Agora, fazem escolhas orientadas por duas prioridades: dar informação e fazer companhia.
“O nosso objectivo foi suspender todos os programas com público e equipas maiores em todos os canais e concentrar os recursos na informação”, diz ao PÚBLICO José Fragoso, director de programas da RTP1 e RTP Internacional. Os programas diurnos dos três canais mais vistos esvaziaram-se de público ao vivo e encheram-se de informação sobre como lidar com a pandemia. Suspenderam-se estreias como as de Big Brother, The Voice Kids ou Quem Quer Ser Milionário e os talk shows da noite. No canto do ecrã, os canais RTP e a TVI apelam: “fique em casa”.
E ficar em casa tem efeitos nas audiências. Segundo dados da GfK/CAEM, a televisão, no seu total, teve no domingo 31,6% dos portugueses consigo ao longo das 24 horas; em média, os generalistas tiveram 14,3% dos espectadores e o cabo 12,6%. Foi o melhor dia de sempre desde Março de 2012, quando se encetou o actual sistema de medição. A SIC completa estes números ao PÚBLICO: desde sexta-feira houve “em média, por dia, mais 623 mil telespectadores do que o habitual”; mais de 215 mil concentraram-se nos quatro canais generalistas. É sobretudo à tarde que a audiência cresce, com mais 1,1 milhões de espectadores a verem TV.
As circunstâncias “aumentam exponencialmente a importância da televisão generalista na sociedade portuguesa”, defende Daniel Oliveira, director-geral de entretenimento do grupo Impresa. “A existência dos canais públicos sente-se mais em momentos como estes”, acrescenta José Fragoso, que recorda que no streaming e no cabo o público está disperso e se concentra nos quatro canais abertos. “A televisão é mais do que nunca o meio que todos procuram. E por isso aqui estamos”, diz Nuno Santos, director de programas da TVI.
Notícias, Ricardo Araújo Pereira e a incerteza do futuro
A audiência do cabo cresceu cerca de 30% entre o domingo dos recordes, o dia 15, em que chegou a ter 40% de share (a parcela de espectadores sintonizados na televisão num dado momento), e o domingo anterior. Se o escapismo de filmes dos anos 1980 ou 90 e as maratonas de séries podem ter apelado ao público, as notícias tiveram um papel importante.
“O consumo de informação e dos canais de informação começou a disparar há mais de duas semanas”, notou José Fragoso. No domingo, “a TVI 24 teve um aumento [de audiência] de 90%”, detalha Nuno Santos. Além do crescimento da SIC Notícias, Daniel Oliveira destaca “o aumento de consumo dos principais blocos de informação” na SIC. A subida geral, observa Fragoso, “começou a notar-se a partir de quinta ou sexta-feira, com os primeiros apelos [das autoridades] para ficar em casa. Segunda-feira foi o primeiro dia de impacto sincronizado da quarentena, do teletrabalho e da paragem das escolas”. E não sendo comparável com domingo, esse foi também um dia de crescimento: o total de pessoas a ver TV ao longo do dia foi de 27,5% (na segunda-feira anterior fora de 19,5%).
Foi na segunda-feira que o primeiro-ministro foi ao Jornal da Noite para aquela que a SIC diz ter sido a entrevista mais vista de António Costa, com 1,89 milhões de espectadores, e em que O Preço Certo teve 1,2 milhões de espectadores na RTP1, de acordo com José Fragoso. Na véspera, Ricardo Araújo Pereira teve o seu Isto É Gozar Com Quem Trabalha mais visto até agora, com 1,7 milhões de pessoas atentas, o que prova como é importante “que a vida seja mais do que a covid-19 e que por instantes nos esqueçamos que está tomada por isso”, opina Daniel Oliveira.
São alguns dos programas mais populares dos últimos dias, mas os efeitos do novo coronavírus far-se-ão sentir por semanas e meses. “Num tempo em que temos muito consumidor disponível, temos uma terrível contenção de oferta, dado que a maior parte dos produtos se constrói a partir de pessoas que não podem estar nos seus locais de trabalho. É um pouco irónico”, reflecte Nuno Santos.
Os programadores dos canais abertos estão a actualizar diariamente os planos. Há séries e documentários novos por estrear, concursos, novelas e ficção com episódios em carteira e muita informação. RTP e TVI admitem algumas reposições dentro de poucas semanas e “inevitavelmente haverá casos de antecipação ou adiamento de projectos e adaptações de grelha” na SIC.
Nacional ou internacionalmente há produções paradas, de Stranger Things às séries da RTP1 e às novelas dos privados. Daniel Oliveira admite “adaptar, se necessário, algumas das apostas já definidas para a segunda metade do ano”; José Fragoso antevê que a paragem das próximas semanas ou meses “começará a pesar em Setembro/Outubro porque as produções novas não estarão em condições de estrear”. Com tantos olhos postos nos ecrãs, Daniel Oliveira deixa uma espécie de apelo: “Esta indústria deve ser olhada pelo seu papel vital. Devem ser-lhe proporcionadas, à semelhança de outros sectores como o turismo, condições para reforçar o seu funcionamento em tempos de incerteza e volatilidade como os que passamos.”