Coronavírus: perguntem à China
Que este estado de alerta sirva de alguma coisa e nos leve do egoísmo ao sentido comunitário, nos faça pensar em desfrutar da vida em amor e nos leve a marcar o piquenique em família daqui a nada, uma fé alicerçada num cosmos que parece que anda à escuta e talvez nos ouça a mudar.
Eu, que sei de muito pouco, vergo-me ao que sinto e ao que me rouba o pensamento; é inevitável. E faço-o com a ignorância e o conhecimento de que sou portadora, é também inevitável. Mas creio que faz tempo que todos percepcionamos um mundo demasiado inflamado, a cheirar a desastres ambientais e a ambições desmedidas, consequências de uma sociedade prostituta da produtividade e do consumo. E creio, por isso, que o meu pensar alto possa fazer companhia a alguém.
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Eu, que sei de muito pouco, vergo-me ao que sinto e ao que me rouba o pensamento; é inevitável. E faço-o com a ignorância e o conhecimento de que sou portadora, é também inevitável. Mas creio que faz tempo que todos percepcionamos um mundo demasiado inflamado, a cheirar a desastres ambientais e a ambições desmedidas, consequências de uma sociedade prostituta da produtividade e do consumo. E creio, por isso, que o meu pensar alto possa fazer companhia a alguém.
A questão que me ferve é: andamos a consumir o quê neste modo fast forward? Prisioneiros da superficialidade, só que agora fechados em casa por causa de um vírus mais rápido do que a nossa velocidade furiosa e sem critério. O vírus corre para matar. Nós corremos para quê?
Estranho isto. Um vírus galopante, lúcido e mau a abrir-nos as pestanas para o que estávamos todos a ver com os olhos semicerrados, como quem pede explicação ou vê uma coisa esquisita. Todos cientes de que andamos esquisitos, mas depois chega a covid-19 para colapsar a economia e ficamos arregalados com os níveis decrescentes de dióxido de nitrogénio na China. E acordou-se o paradoxo do mundo enquanto o mundo fecha as portas. Os novos tiranos são infectados pelo vírus e experimentam ser como o amarelo, o branco, o vermelho e o preto. As pessoas são mandadas para casa e experimentam ser uma família com tempo, sem beijos ou abraços. E eu estou na cozinha a fazer bolos, de quarentena, a que o meu pai chama de quarentona em jeito de brincadeira.
Estou de quarentona lá em casa, que agora é cá em casa. Em Lisboa, as rendas levavam-me mais de metade do ordenado e, na verdade, eu ficava naquele T1, que custava mais dinheiro do que aquele que eu podia pagar, sem falar para mais ninguém, nem mesmo com as paredes, que falavam a língua da economia de um país de topo. Em que é isto diferente de uma vida parada, apenas feita a correr?
Despedi-me quando a solidão e a distância me apresentaram a saudade e me disseram também que não devemos ter as pessoas que amamos por garantidas. Estou de quarentena voluntária no lugar certo. Mesmo para um acaso destes é preciso saber escolher. Ando então a desbravar caminho nesta nova aventura, se o coronavírus deixar, com esperança que um ordenado e uma renda em Portugal não sejam um paradoxo, porque até para isolamento é preciso um tecto. Com esperança que existam direitos iguais para todos, tenhamos pequenas empresas, médias ou grandes, sejamos patrões, profissionais liberais ou por conta de outrem.
Que este estado de alerta sirva de alguma coisa e nos leve do egoísmo ao sentido comunitário, nos faça pensar em desfrutar da vida em amor e nos leve a marcar o piquenique em família daqui a nada, uma fé alicerçada num cosmos que parece que anda à escuta e talvez nos ouça a mudar.
Vêm aí tempos difíceis, seguramente, mas viver não é uma corrida de automobilismo a ver quem chega primeiro. Isso é nocivo para o ambiente. Perguntem à China.