Quarentena em Itália: ver a cidade pela janela do quarto

Ir ao supermercado parece ser agora uma tarefa mais difícil. À porta de todos os supermercados vêem-se filas de espera que ocupam toda a rua, todos a cumprir a distância social aconselhada, relatam-me colegas que foram comprar comida.

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Reuters/FLAVIO LO SCALZO

Para quem vive em Milão é o sexto dia de quarentena, mas, mais uma vez, os italianos parecem próximos da palavra “calma”. No sentido prático, o isolamento em Itália significa não podermos sair de casa — a não ser que haja uma justificação para tal. Ainda assim, os italianos não se têm deixado afectar pelo que vem de mãos dadas com o vírus: o pânico.

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Para quem vive em Milão é o sexto dia de quarentena, mas, mais uma vez, os italianos parecem próximos da palavra “calma”. No sentido prático, o isolamento em Itália significa não podermos sair de casa — a não ser que haja uma justificação para tal. Ainda assim, os italianos não se têm deixado afectar pelo que vem de mãos dadas com o vírus: o pânico.

Um dia após o fecho total do país, pela janela do quarto vejo o que o Governo anunciou: todas as lojas fechadas, exceptuando serviços necessários, como é o caso da farmácia ou do supermercado do outro lado da minha rua, e uma cidade muito mais silenciosa do que há um mês.

Se há 15 dias dizia que viver no epicentro do novo vírus não trazia grandes mudanças ao dia-a-dia, agora posso afirmar que toda a minha rotina está alterada por isso. Não saio da residência há quase uma semana e só o farei para ir às compras, caso a comida comece a faltar no frigorífico. Essa tem sido a realidade de praticamente todos os italianos. As poucas pessoas que se vêem na rua serão, provavelmente, as que têm de assegurar os seus postos de trabalho, numa cidade completamente parada.

Ir ao supermercado parece ser agora uma tarefa mais difícil. À porta de todos os supermercados vêem-se filas de espera que ocupam toda a rua, todos a cumprir a distância social aconselhada, relatam-me colegas que foram comprar comida. Com a entrada permitida nos estabelecimentos a apenas meia dúzia de pessoas de cada vez, as idas ao supermercado são demoradas. De forma positiva, reparam que o stock dos produtos mantém-se assegurado e não há compras exageradas, apesar da obrigação de quarentena se prolongar até dia 3 de Abril.

Na rua, a polícia vigia se os estabelecimentos cumprem as normas de funcionamento ou fecho impostas. Adicionalmente, questionam os transeuntes sobre as suas motivações para estarem fora de casa e vão controlando aglomerados de pessoas, pedindo, com megafones, para que se respeite um metro de distância, mesmo no caso de as pessoas se conhecerem. A resposta a estes pedidos é tranquila e ordeira, notando-se que a maioria cumpre o que é aconselhado, sem ser necessário intervenção das forças policiais.

Mesmo estando autorizadas as deslocações ao supermercado, farmácia ou médico, estas têm de ser feitas dentro da nossa área de residência, estando interditas as movimentações entre diferentes zonas de residência. Os trabalhadores na recepção da residência são um dos casos dos italianos que têm de assegurar os serviços mínimos da cidade. No dia em que Itália decretou o isolamento total, uma das trabalhadoras mostrou-nos a sua autorização para entrar e sair de Milão, na sua deslocação entre casa e o emprego.

De manhã à noite, o meu dia passa pelos dois andares que separam a cozinha e o quarto, a distância maior que tenho percorrido nos últimos dias. A residência está agora silenciosa e muito mais vazia. A maioria das pessoas decidiu voltar para os seus países enquanto a situação não normalizar e os que ficaram, como eu, terão agora de ficar obrigatoriamente aqui, numa Itália que não permite entradas ou saídas do país.

As 24 horas de quem ficou pela residência dividem-se entre cozinhados, jogos, conversa e a continuação do estudo pelas plataformas online. As festas que eram comuns estão agora impedidas de acontecer. Os aglomerados de pessoas estão proibidos, mesmo que em contexto particular. Apesar de fechados nos cinco pisos deste edifício, mantemos o pensamento positivo e a tranquilidade face à situação. O vírus é o centro da maioria das conversas, sempre com algum humor.

Com o agravar da situação, a visita que tinha prevista a Portugal no início do próximo mês terá de ser adiada, pois todos os voos foram cancelados. Esta semana, a minha universidade de origem, em Braga, ligou para questionar como estava a situação e se tencionava pedir ajuda à embaixada para conseguir regressar. Não tenciono, pois a calma vivida por aqui tem ajudado a ultrapassar a situação da melhor forma.