Afinal, estudantes de Erasmus que regressaram de Itália não tinham ninguém à espera

Universidade do Porto admite erro na informação transmitida, esta quarta-feira, ao PÚBLICO. Dois dos estudantes que regressaram na terça-feira contam como estão em isolamento voluntário por iniciativa própria.

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Ao abrigo do Erasmus, a Universidade do Porto tem vários estudantes fora do país e muitos estrangeiros a estudar e viver na cidade Paulo Pimenta

Os nove estudantes da Universidade do Porto (UP) que, esta semana, regressaram de Itália, interrompendo o programa Erasmus, não tinham, afinal, qualquer membro das autoridades de saúde a esperá-los no aeroporto. A informação foi erradamente transmitida ao PÚBLICO por fonte da UP.

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Os nove estudantes da Universidade do Porto (UP) que, esta semana, regressaram de Itália, interrompendo o programa Erasmus, não tinham, afinal, qualquer membro das autoridades de saúde a esperá-los no aeroporto. A informação foi erradamente transmitida ao PÚBLICO por fonte da UP.

Dois destes estudantes contam como optaram por ficar, voluntariamente, isolados em casa durante 14 dias, por causa da pandemia de covid-19, e pedem que as pessoas tenham mais contenção, depois de terem visto como a doença se disseminou em Itália, enquanto as pessoas continuavam as suas vidas normais.

Gonçalo Soares, estudante da Faculdade de Medicina da UP chegou ao Porto na terça-feira, via Londres, acompanhado de três colegas da mesma universidade e de duas outras alunas de estabelecimentos de ensino diferentes. Os seis decidiram deixar a cidade de Génova, onde deveriam cumprir o segundo semestre de aulas, ao abrigo do programa Erasmus. Na quarta-feira outros cinco estudantes da UP aterraram em Portugal: duas alunas provenientes de Roma e três estudantes que se encontravam na cidade de Turim. “Não fomos recebidos nem contactados pelos membros da autoridade de saúde”, garante.

O mesmo diz João Marques, da Faculdade de Engenharia da UP, que regressou ao mesmo tempo que Gonçalo. “Ficamos desapontados porque nos parece que estamos a ter a mesma atitude negligente que vimos em Itália. À chegada ao aeroporto ninguém nos mediu a temperatura, ninguém nos perguntou de onde vínhamos. Isto deixa-nos revoltados, porque ficamos com a ideia que vamos estar outra vez envolvidos no problema que encontramos em Itália”, diz.

Na quarta-feira, fonte da reitoria da UP afirmara ao PÚBLICO que nove estudantes da instituição tinham regressado ao país, garantindo: “Foram todos recebidos por membros das autoridades de saúde, que os aconselharam a isolamento profiláctico e monitorização diária dos sintomas”. Depois de esta situação ter sido desmentida pelos estudantes, a mesma fonte admitiu o erro. “De facto, as autoridades de saúde não foram ao aeroporto, houve um engano na informação transmitida. Estão apenas a monitorizar a situação”, disse.

Os dois estudantes ouvidos pelo PÚBLICO confirmam que informaram a UP da intenção de regressarem a Portugal, através do gabinete de apoio ao programa de mobilidade europeu em que estavam integrados. E se João Marques diz que a única indicação que recebeu foi para que lesse as recomendações da Direcção-Geral de Saúde (DGS) e para “tomar todas as precauções”, Gonçalo Soares diz que tanto a associação de estudantes como a responsável pelo programa Erasmus foram “incansáveis” no apoio prestado. “A nossa faculdade mostrou-se bastante preocupada, até pelo curso em que estamos, mas das autoridades de saúde não tivemos qualquer contacto”, diz o estudante de Medicina.

Demasiada normalidade

Gonçalo Soares diz mesmo ter ficado algo incrédulo com as informações que terão sido passadas pela linha Saúde 24 aos seus pais, quando estes, ainda antes do regresso do filho, ligaram para aquele serviço de apoio a explicar as circunstâncias do seu regresso. “O que os meus pais me disseram é que da Saúde 24 disseram para fazermos uma vida normal quando chegássemos, evitando dar beijinhos e abracinhos. Viemos de Itália, que está com mais de mil casos por dia porque, como pude comprovar, as pessoas não seguiram as recomendações, e estão a dizer-me para fazer uma vida normal?”, questiona-se.

Os dois estudantes optaram por não fazer uma vida normal e estão ambos em isolamento voluntário, nas suas casas, durante 14 dias. “Estou fechado num quarto, com um computador e uma televisão e só saio para ir à casa de banho. Deixam-me a comida à porta e tenho uma casa de banho só para mim. São medidas muito pedidas pela nossa responsável de Erasmus”, diz Gonçalo Soares. Situação idêntica está a viver João Marques. “É o nosso dever fazer isto. Logo nós que temos muitos idosos e sabendo que a taxa de propagação e contágio é enormíssima. Não custa nada ficar uma ou duas semanas fechado para ajudar todos”, diz.

Já em relação à bolsa, os dois jovens também não se mostram tranquilos em relação ao que irá acontecer. Apesar de a UP insistir que “ninguém será prejudicado” por optar regressar mais cedo de uma zona particularmente afectada, os dois estudantes têm muitas dúvidas sobre o que isso significa. Gonçalo Soares já tinha recebido a bolsa por inteiro, mas nem chegou a iniciar as aulas, porque foi decretado o encerramento da universidade um dia antes do início previsto das aulas. “Só o voo de regresso ficou por cerca de 400 euros. Se eu tiver de devolver o valor dos meses que não fiquei em Itália, não sobra dinheiro para cobrir todas as despesas que tive”, diz. João Marques ainda nem recebeu a bolsa e também espera que as despesas que teve com uma deslocação para Itália, que não chegou a dar os frutos desejados, seja, efectivamente, assegurada pelo programa europeu.

Nas últimas semanas a UP enviou aos estudantes que se encontravam no exterior do país ao abrigo do programa Erasmus duas mensagens. Uma a 24 de Fevereiro, da responsável pelo programa, a fornecer contactos móveis e a mostrar-se disponível para qualquer auxílio que fosse necessário. A outra nesta quarta-feira, quando os dois estudantes ouvidos pelo PÚBLICO já se encontravam em Portugal, a dar conta das recomendações do Portal das Comunidades Portuguesas para quem se encontrava em Itália.

Dos dias que passou em Génova, Gonçalo Soares trouxe a imagem de uma cidade que continuou a fazer a sua vida normal, como se nada se passasse. “Começaram a esgotar as máscaras e o gel para as mãos em todo o lado, mas de resto, as cidades estavam muito normais, com os transportes públicos cheios, os supermercados com as prateleiras abastecidas.” Nos dias que antecederam o regresso, a agravar da situação do país e o receio de não conseguirem sair se esperassem mais tempo pesou na decisão de voltar a Portugal. “As medidas tomadas em Itália surgiram tarde demais. Há uma semana, a vida era perfeitamente normal, e é isso que estou a ver em Portugal”, diz, por sua vez, João Marques.

A UP tem 125 estudantes em Itália, no âmbito do programa Erasmus. Até à data, dez já tinham regressado, mas fonte da reitoria confirma que nesta quinta-feira mais estudantes tinham indicado que pretendem regressar a casa.