Nem todas as escolas estão preparadas para o ensino à distância
Escolas públicas poderão ter dificuldade em assegurar aulas fora da escola. Em causa está a “equidade” de acesso de todos os alunos não só a equipamentos, mas também à Internet.
Já antes da declaração de pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, algumas escolas, assim como muitas instituições de ensino superior, fecharam as suas portas, de modo a evitar que a covid-19 se propague descontroladamente. Nesta quinta-feira, o Governo decidiu que as escolas serão encerradas já a partir de segunda-feira. Algumas instituições estão já a dar aulas à distância, como é o caso da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Estão as escolas básicas e secundárias preparadas para ensinar à distância?
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Já antes da declaração de pandemia, pela Organização Mundial da Saúde, algumas escolas, assim como muitas instituições de ensino superior, fecharam as suas portas, de modo a evitar que a covid-19 se propague descontroladamente. Nesta quinta-feira, o Governo decidiu que as escolas serão encerradas já a partir de segunda-feira. Algumas instituições estão já a dar aulas à distância, como é o caso da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Estão as escolas básicas e secundárias preparadas para ensinar à distância?
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, responde que não. Nem as escolas, nem os alunos, afinal nem todos têm acesso a computadores ou a smartphones, justifica. “É o princípio de equidade que está a ser posto em causa”, alerta. “Vai ser difícil, muito complicado”, acrescenta ao PÚBLICO. Para já, as escolas que já estão em quarentena vão contactando os seus alunos por e-mail, foram-lhes dadas fichas de trabalho, mas “dar aulas, será mais complicado”, frisa.
Também Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, é da mesma opinião, lembrando que ainda há regiões onde os alunos não têm acesso à Internet. “É possível trabalhar com alguns, mas com todos é impossível”, declara, acrescentando que “tudo o que exclua alguém é antidemocrático”.
Se, por um lado, Filinto Lima vê com bons olhos a possibilidade de antecipar as férias da Páscoa; por outro, preocupa-o que esse período se possa prolongar por mais tempo. Se assim for, os anos em que professores e alunos estarão mais preocupados serão os de exames, como os 11.º e 12.º anos. Para esses, a solução será ter aulas de recuperação obrigatórias no intervalo entre o término do ano lectivo e o início do período de exames. Trata-se de uma actividade que as escolas já oferecem aos alunos, a título voluntário, mas que num ano excepcional, poderá tornar-se obrigatória, defende.
“Há soluções para tudo, só não há quando não se tem saúde. E, neste momento, a prioridade é a saúde dos alunos, professores e funcionários. Depois vêm as questões dos currículos, das avaliações e dos exames”, defende Manuel Pereira, para quem esta é uma “ocasião excepcional”, logo, é preciso tomar medidas mais corajosas como o encerramento das escolas, insiste.
Exemplos do Vietname e de Itália
“Preocupada” com os alunos, a Park International School — com quatro escolas com o mesmo nome na área de Lisboa e a St. Peter's, em Palmela — tem tudo preparado para que os seus 3000 estudantes possam manter as actividades escolares a partir de casa. A decisão de encerrar foi tomada nesta quinta-feira e a partir de sexta os alunos ficarão em casa. “O nosso propósito é educar. Temos alunos mais velhos que vão fazer exames e não podem perder o foco. É preciso manter a calma e garantir o seu direito à educação”, declara Bárbara Lancastre, directora-geral da Inspired, o grupo internacional do qual fazem parte 64 escolas, em todos os continentes.
Em contacto com os directores das congéneres do Vietname e de Itália, onde as aulas foram suspensas e os estudantes mandados para casa, Bárbara Lancastre assegura que tudo “está preparado” para fazer face à pandemia. Por exemplo, no Vietname, 4000 alunos estudam a partir de casa há já cinco semanas; em Itália (onde existem dez escolas e 3700 alunos) é a terceira semana de ensino à distância. “Não há queixas dos pais”, garante a dirigente.
Se aos alunos do pré-escolar serão propostas actividades que possam fazer com os pais, os do 1.º ciclo podem estar em contacto com o professor a partir das 8h30 e, ao longo do dia, o docente vai dizendo o que fazer. A partir do 2.º ciclo, os estudantes ligam-se em todas as aulas com os docentes, que permanecerão nas escolas. Os alunos têm portáteis ou tablets e já estão habituados a trabalhar nas plataformas online, não haverá nenhuma nova, assegura Bárbara Lancastre.
“Fazemos parte de um grupo grande, temos uma equipa multidisciplinar a trabalhar em conjunto e temos um manual de procedimento dinâmico que passamos para as escolas”, resume a gestora. Depois dos exemplos de fora, as escolas portuguesas já sabem o que funcionou ou não. Por exemplo, “o mais difícil é manter toda a gente motivada”, reconhece Bárbara Lancastre. Por isso, também são feitas recomendações como, por exemplo, não passar demasiado tempo à frente do ecrã ou obrigar os alunos a fazer as aulas de Educação Física, Música ou Artes em que são sugeridas tarefas longe do computador.
Quanto aos que vão fazer exames nacionais e internacionais, há um plano individual para cada um: “Os alunos podem vir a ter aulas em férias”, antecipa.
Momento de aprendizagem
Para Ana Maria Bettencourt, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação, este não é um período para se falar de exames, que poderão ser adiados, mas para, por exemplo, valorizar uma “educação para o desenvolvimento sustentável”. A professora universitária considera que “fechar as escolas pode ser um momento de aprendizagem” e que se pode aproveitar este intervalo para trabalhar, através do ensino à distância, outras competências. “Vivemos uma situação complexa que pode vir a ser dramática, mas o alarme não pode ser centrado no receio de os alunos não estarem preparados para os exames e para as avaliações que terão obrigatoriamente que ter em conta a redução do tempo de aulas e os problemas que se vivem. Este tempo (dramático) pode vir a ser muito importante para uma educação para o desenvolvimento sustentável e para que os alunos aprendam mais”, defende.
Ou seja, em vez de matéria, os professores poderão ensinar os alunos, por exemplo, a reconhecer uma notícia falsa, a preservar a saúde pública ou a “respeitar a vida”, enumera ao PÚBLICO. “Seria importante que, perante o encerramento de escolas, se criassem nelas um elo de ligação online e propostas de trabalho que ajudassem os alunos a serem cidadãos activos em casa, e que este momento crítico gerasse desafios de aprendizagem e intervenção positivos.”
No seu site, a Unesco recomenda alguns programas de ensino à distância que podem ser usados por professores e alunos. A maioria é em inglês. Por cá, existem plataformas como a Escola Virtual, da Porto Editora, que é usada em centenas de escolas e por milhares de alunos como complemento e que inclui aulas e testes interactivos, por exemplo.