Coronavírus: se o Governo não ajudar a restauração, “vai ser uma chacina”
Quebras nalguns casos de 60% estão a deixar os restaurantes à beira de uma situação “catastrófica”, alertam chefs e proprietários. Alguns anunciaram o encerramento temporário, outros mantêm as portas abertas e lutam pela sobrevivência.
A situação na restauração “já está a ser catastrófica e se não se tomarem medidas rapidamente vai ser muito pior; se o Governo não accionar mecanismos de apoio vai ser uma chacina”. Quem o diz é o chef Henrique Sá Pessoa que já está a sentir o efeito da situação criada pela pandemia da covid-19 nos seus restaurantes de Lisboa – no Alma (duas estrelas Michelin) teve cerca de 30 cancelamentos e nos restaurantes do Mercado da Ribeira e do El Corte Inglês sentiu claramente uma quebra de clientes.
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A situação na restauração “já está a ser catastrófica e se não se tomarem medidas rapidamente vai ser muito pior; se o Governo não accionar mecanismos de apoio vai ser uma chacina”. Quem o diz é o chef Henrique Sá Pessoa que já está a sentir o efeito da situação criada pela pandemia da covid-19 nos seus restaurantes de Lisboa – no Alma (duas estrelas Michelin) teve cerca de 30 cancelamentos e nos restaurantes do Mercado da Ribeira e do El Corte Inglês sentiu claramente uma quebra de clientes.
E, acrescenta, com as restrições anunciadas pelo presidente norte-americano Donald Trump para os voos entre a Europa e EUA, “as coisas vão agravar-se a uma velocidade alucinante”, com os turistas americanos a desaparecerem também dos hotéis e restaurantes europeus.
“O que está em causa é uma quebra de 60% da facturação, não estou a falar de lucros, estou a falar de facturação. E eu pago 110 mil euros de ordenados todos os meses”, alerta, por seu lado, o chef Rui Paula, que também recebeu já vários pedidos de cancelamento na Casa de Chá da Boa Nova (duas estrelas), em Leça da Palmeira.
“O que é preciso é que o Governo decida o que se faz”, diz Rui Paula. “Não vou fechar, não quero fechar, mas é preciso dizerem-nos o que se faz. Quando há uma catástrofe há sempre ajudas.” Não está a pedir dinheiro, esclarece, mas “era importante que houvesse isenções fiscais” para ajudar os restaurantes a sobreviver à crise, que mal está a começar.
“Sem medidas estatais, não acredito que haja muitos negócios com capacidade para sobreviver”, sublinha Sá Pessoa, que quando falou com o PÚBLICO ia a caminho de uma reunião na AHRESP (Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal). “Fechar e mandar as pessoas de férias não é solução. Os restaurantes estão a tomar medidas de higiene e segurança alimentar, mas também temos que apelar ao sentido comunitário para que as pessoas ajudem os negócios locais”.
A secretária-geral da AHRESP, Ana Jacinto, disse entretanto ao PÚBLICO que um inquérito aos restaurantes concluído na quinta-feira indicou quebras de mais de 40%, o dobro do que tinha sido registado noutro inquérito duas semanas antes. A associação, que está em “articulação permanente” com o Governo, considera que as linhas de apoio à tesouraria já anunciadas são “insuficientes para um tecido empresarial muito micro”, mas destaca a “disponibilidade e empenho” do Executivo, salientando, contudo, que “todos os dias a situação complica-se”.
Alexandre Silva, do Loco (uma estrela Michelin), em Lisboa, confirma também quebras de cerca de 60% no seu restaurante do Mercado da Ribeira, enquanto no mais recente, o Fogo, no qual fez um investimento substancial, “a procura baixou drasticamente”. Mas foi no Loco que inicialmente sentiu o efeito da crise: “Há cerca de um mês e meio começámos a ter cancelamentos, achámos estranho, até que há três semanas apareceu o primeiro email que falava claramente na covid-19. Está a ser muito complicado.”
A solução possível neste momento, para Alexandre Silva, passa por um plano que prevê “redução da equipa e eventualmente das ementas, não contratar novos colaboradores, trabalhar com 60 a 70% dos quadros da empresa”. Preocupa-o não só o imediato, mas os próximos meses. “Perdemos o turismo da Primavera. Um país como o nosso, de serviços, assim vai falir”.
Durante o dia foram surgindo notícias do encerramento de restaurantes e do cancelamento de eventos. O Grupo Amorim Luxury anunciou o encerramento temporário, a partir de dia 13, dos restaurantes JNcQuoi Avenida, JNcQUOI Ásia, Ladurée, JNcQUOI Club, assim como das lojas Fashion Clinic e Gucci, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Fê-lo “tendo em conta os interesses superiores de saúde pública e em nome do bem-estar dos seus clientes, colaboradores e suas famílias e como medida preventiva”. Para já, “a reabertura de todos os espaços fica condicionada à reavaliação e acompanhamento permanente da evolução da pandemia”.
O Feitoria, do Hotel Altis Belém (uma estrela), adiou para data a anunciar o jantar Matéria, previsto para 18 de Março com a presença de chefs e sommeliers estrangeiros, explicando que é “por responsabilidade social” que toma esta decisão após o alerta global gerado pela pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde. No entanto, o restaurante continua em funcionamento e “implementou e reforçou todas as normas instituídas pela Direcção-Geral de Saúde”.
O Grupo Avillez decidiu, por seu lado, fechar o Beco (situado dentro do Bairro do Avillez, em Lisboa). Nos restantes restaurantes, já se sentem quebras nas reservas em valores entre os 35 e os 40%, diz a responsável pela comunicação Mónica Bessone, mas “é uma situação que está a evoluir”. Para já, o que o grupo está a fazer é “a acompanhar, mantendo-se pronto para tomar decisões”.
Também o grupo Non Basta, que tem os restaurantes Pasta Non Basta e Memória, está a tentar “aprender a lidar com a situação”, explicou ao PÚBLICO Frederico Seixas, um dos responsáveis. “Demos uma formação a todas as equipas de todos os restaurantes e monotorizamos o estado de saúde do staff. Até ordem em contrário da parte das autoridades vamos manter os restaurantes abertos”. A par disso, pensam reforçar a aposta no serviço de take-away.
No Instagram, Hugo Brito, do restaurante Boi-Cavalo, de Lisboa, deixou um apelo: “Neste momento difícil para todos, e depois de uns meses de Janeiro e Fevereiro devastadores, a sobrevivência de muitos pequenos negócios, de mercearias de bairro, de garrafeiras, de restaurantes independentes, está seriamente ameaçada. Se escolherem sair de casa, escolham também apoiá-los e a todos aqueles que mantêm a nossa cidade interessante e viva.”