“A gente tem um bocado de medo, mas a vida continua”
Escolas, bibliotecas e piscinas fechadas, serviços municipais a funcionar a meio gás. Em Felgueiras e em Lousada, onde se concentra grande número dos infectados com o novo coronavírus do país, ainda não se sabe quando a vida vai voltar à normalidade
Se fosse uma segunda-feira normal, Raquel, de 12 anos, estaria na escola, e a mãe, Fátima Ferreira, de 40, a preparar-se para trabalhar num dos estabelecimentos de ensino sob a alçada da Câmara de Felgueiras. Mas este foi o dia em que as escolas do concelho não abriram, por recomendação da Direcção-Geral de Saúde (DGS), que tenta travar a expansão do covid-19. Por isso, nem uma nem outra estão onde deviam estar e aproveitam para dar uma caminhada pela cidade. Cenário idêntico vivia-se no vizinho concelho de Lousada, onde uma fábrica de calçado está fechada desde quinta-feira, depois de se confirmar que um funcionário era portador do novo coronavírus SARS-CoV-2.
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Se fosse uma segunda-feira normal, Raquel, de 12 anos, estaria na escola, e a mãe, Fátima Ferreira, de 40, a preparar-se para trabalhar num dos estabelecimentos de ensino sob a alçada da Câmara de Felgueiras. Mas este foi o dia em que as escolas do concelho não abriram, por recomendação da Direcção-Geral de Saúde (DGS), que tenta travar a expansão do covid-19. Por isso, nem uma nem outra estão onde deviam estar e aproveitam para dar uma caminhada pela cidade. Cenário idêntico vivia-se no vizinho concelho de Lousada, onde uma fábrica de calçado está fechada desde quinta-feira, depois de se confirmar que um funcionário era portador do novo coronavírus SARS-CoV-2.
As instruções para que fossem encerrados os estabelecimentos escolares (públicos e privados) e suspensas as actividades de carácter lúdico e cultural de utilização pública (ginásios, bibliotecas, piscinas, espaços para eventos e cinemas) chegaram aos concelhos de Felgueiras e Lousada no domingo à noite. O comunicado da DGS que elencava estas medidas indicava que, na altura, existiam 23 casos confirmados de covid-19 em Portugal, 19 dos quais correspondentes “ao mesmo foco”. A maioria dos casos confirmados no país, naquele momento, tinha origem naqueles dois concelhos, explicava a DGS. Na segunda-feira, entretanto, o número total de infectados subira para 32.
Não houve por isso dúvidas em pôr a prática as recomendações que, no início desta semana, tiraram Raquel e milhares de outras crianças das escolas e deixaram em casa funcionários como Fátima Ferreira. “Até domingo de manhã pensávamos que o problema estava só em Idães [uma freguesia do concelho], mas depois avisaram que iam fechar as escolas todas. Há crianças de Idães nas escolas daqui, não sei se será por isso”, diz Fátima Ferreira que, pouco antes, tinha sido avisada pelo telefone para não ir trabalhar.
A mulher está ciente das regras que estão a ser pedidas a todos os cidadãos, sob o conceito de “isolamento social”, e diz que no estabelecimento de ensino pré-escolar onde trabalha as próprias crianças já foram instruídas, na semana passada, sobre a necessidade de lavar correctamente as mãos. “A gente tem uns certos cuidados. As ordens que temos são para evitarmos supermercados ou cafés e para nos mantermos dentro de casa”. E era para aí que mãe e filha iriam depois do seu passeio pelas ruas calmas de Felgueiras, garante. Mais por precaução do que por grande preocupação, confessava a funcionária temporariamente privada de trabalhar. A maior preocupação era mesmo outra. “O grande problema é os pais que têm de ficar com os miúdos em casa. Não sabem que justificação têm de dar, se lhes pagam ou se não pagam, se devem meter baixa…”.
Na Câmara de Felgueiras o presidente da autarquia local, Nuno Fonseca, e o congénere de Lousada, Pedro Machado, sentaram-se a alguma distância um do outro para a conferência de imprensa conjunta convocada para a manhã de segunda-feira. As dúvidas dos pais que se viram impossibilitados de ir trabalhar por causa do encerramento das escolas são uma das situações que está a ser analisada, em conjunto com o Governo, e para a qual esperavam uma resposta, garantiam. Por enquanto, o que queriam salientar é que é bom encarar o covid-19 com serenidade, mas que a doença não deve ser vista como uma brincadeira e as recomendações da DGS devem ser “escrupulosamente” seguidas.
Medidas adicionais
Por isso mesmo, os dois municípios decidiram avançar com medidas adicionais às que foram recomendadas pela DGS. Os edifícios municipais de acesso público foram encerrados nos dois municípios, ficando apenas a funcionar os serviços técnicos e os respectivos paços do concelho, e as feiras municipais desta e da próxima semana foram também canceladas. Em Felgueiras foram ainda “adiados/cancelados todos os eventos, por um período de 30 dias, podendo ser alargado este período por razões que o justifiquem”, enquanto Lousada anunciava que eram cancelados “todos os eventos que congreguem um elevado número de pessoas”, incluindo o Festival Internacional das Camélias (marcado para 21 e 22 de Março), o Mega Encontro Desportivo (dedicado às crianças e que se realiza, geralmente, no último fim-de-semana de cada mês) ou a Liga Boccia Sénior.
Todas as medidas são temporárias, mas deverão durar “até que haja orientações em contrário” e, neste momento, ninguém arrisca dizer quando é que isso será.
Maria Luzia Leite, 54 anos, é que não está disponível para ficar fechada em casa à espera que tudo regresse à normalidade. Acaba de regressar de um dos supermercados de Felgueiras e sorri para a amiga que a acompanha, Alzira Ribeiro, de 55, que também de lá vem, enquanto olham para a loja chinesa de portas fechadas. O grande armazém tem um papel colado na porta, a dizer que o espaço estará encerrado entre esta segunda-feira e o dia 23 de Março, “para obras”, mas as duas mulheres estranham a coincidência. “Nunca fecham para nada…”, diz a mais nova.
Despachada, de palavra fácil, Maria Luzia Leite não está a ignorar o novo coronavírus, mas também não quer pôr a vida em pausa por causa dele. “Nós temos de viver a nossa vida normal. Saímos à rua para ir às compras e vou tomar café com uma amiga com quem tinha combinado, não vamos agora entrar em paranóia”. Cuidados tem, garante, até porque uma filha que tem na Suíça já há muito a avisou do que deve fazer. “Lavo as mãos sempre que chego a casa e nada de cumprimentos, mas de resto faço a minha vida normal”, insiste. Alzira Ribeiro vai acenando em concordância. “A gente tem um bocado de medo, mas a vida continua, não nos vamos isolar em casa. O que tiver de ser, é.”
Pela rua circulam carros e pessoas e os cafés e lojas estão abertos, mas os serviços públicos estão a meio gás. A Caixa Geral de Depósitos e serviços como o tribunal ou a segurança social e as finanças balançavam entre o aguardar de instruções e a manutenção de serviços mínimos. Dúvidas não havia era junto às escolas, onde papéis colocados nas entradas davam conta do seu encerramento, “por período indeterminado”, segundo o aviso colocado na Escola Secundária de Felgueiras. Também a piscina municipal tinha um aviso similar, como constatou Agostinho Teixeira, de 64 anos, que passou por ali para verificar se era mesmo verdade que já não ia ter a aula da tarde por o espaço estar encerrado.
Agostinho espreitou e voltou para o carro que deixara com o motor ligado. Antes passara por um funeral onde, diz: “Não dei os meus sentimentos a ninguém.” Quer com isto dizer que não houve abraços nem apertos de mão. Esteve presente, mas procurou manter um mínimo do “distanciamento social” que tem sido pedido pelas autoridades. Depois de passar pela piscina, ia regressar a casa, mas não estava particularmente preocupado. “É mau, é perigoso, mas talvez se alerte muitos mais do que o que é. Ainda assim, toda a precaução é pouca.”
Todos aguardam, agora, pelos desenvolvimentos que os próximos dias trarão, até para esclarecer algumas dúvidas que esta segunda-feira era bem patentes. Ao telefone, uma funcionária da câmara tentava tranquilizar uma munícipe que lhe perguntava se podia ir às aulas do curso que estava a tirar, fora de Felgueiras. Claro que podia, informava-a a funcionária.
Contudo, podia muito bem acontecer que a estudante fosse mesmo mandada para casa. Pelo menos se no seu estabelecimento de ensino se aplicassem as mesmas regras do Instituto Politécnico do Porto que, no mesmo dia, e citando as recomendações da DGS para que as pessoas de Felgueiras e Lousada evitassem “deslocações desnecessárias e participar em reuniões com elevado número de pessoas”, enviou uma comunicação à comunidade escolar, recomendando que “todos os estudantes, docentes, investigadores, técnicos e restantes colaboradores do Politécnico do Porto residentes nos concelhos de Felgueiras ou de Lousada” não se deslocassem para as instalações do instituto.
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