Lay-off: medida anti-coronavírus está no valor mais baixo desde 2008
Patrões satisfeitos, sindicatos preocupados. Governo prometeu simplificar regime para atacar coronavírus, mas não explicou como. Parlamento tem uma palavra a dizer.
Se a epidemia com origem no vírus SARS-COV-2, o novo coronavírus que causa a doença covid-19, vier a ter graves repercussões económicas, as empresas poderão recorrer à suspensão temporária do contrato ou à redução temporária das horas laborais. O Governo prometeu “simplificar” o recurso a este instrumento, chamado lay-off, que em Portugal tem sido cada vez menos usado.
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Se a epidemia com origem no vírus SARS-COV-2, o novo coronavírus que causa a doença covid-19, vier a ter graves repercussões económicas, as empresas poderão recorrer à suspensão temporária do contrato ou à redução temporária das horas laborais. O Governo prometeu “simplificar” o recurso a este instrumento, chamado lay-off, que em Portugal tem sido cada vez menos usado.
Dados oficiais mostram que o número de empresas com lay-off é o mais baixo desde 2008, mas esse cenário pode alterar-se. Na perspectiva do Governo, todas as empresas com redução de 40% nas vendas poderão vir a precisar deste instrumento, ao abrigo do qual as empresas prescindem de mão-de-obra e poupam em salários, o que agrada ao patronato. Já as duas grandes centrais sindicais mostraram-se preocupadas com a perda de rendimentos dos trabalhadores em lay-off, mas sabem também que o acordo dos patrões não chega e que o Governo não pode fazer mudanças sozinho. Qualquer alteração terá de passar pelo Parlamento, a quem o executivo terá de dizer aquilo que ficou por explicar quando apresentou a medida nesta segunda-feira.
Comparando o anunciado com o que diz a lei, as novidades resumem-se a uma palavra ("simplificação") e a um número (a redução de 40% nas vendas como critério). Tudo o resto, como as condições salariais e o prazo de vigência do lay-off, é o que está na lei.
Só falta, portanto, saber como se pretende simplificar o lay-off, “nesta situação excepcional e extraordinária (...) de maneira a que não tenhamos um processo de análise que demore muito tempo, e que seja rapidamente implementado”, como apontou a ministra Ana Mendes Godinho.
A lei actual prevê o lay-off em três situações: por “motivos de mercado"; por “motivos tecnológicos ou estruturais"; e por “catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa”. E prevê uma série de prazos, para comunicação aos trabalhadores ou a quem os representa, e fundamentação. Será que se vai cortar nos prazos? Ou então dispensar as empresas de cumprir obrigações como a entrega de documentos financeiros e contabilísticos para análise das partes interessadas?
Há 940 trabalhadores em lay-off
De acordo com os dados mais recentes, referentes a Janeiro, havia apenas 33 empresas a recorrer a este mecanismo, o que equivale a menos de metade do número de empresas em idêntico período de 2019.
É preciso recuar a 2008, poucos antes da crise financeira, para encontrar um valor mais pequeno: em Janeiro desse ano, havia 19 empresas a recorrer ao lay-off. Em sentido inverso, chegaram a ser 233 em Janeiro de 2013.
Em termos de trabalhadores afectados, a Segurança Social contabilizava 940 em Janeiro deste ano, dos quais 790 com redução de horário e 150 com suspensão temporária. Número menor só em 2011, com 899 trabalhadores abrangidos.
Pela lei, os trabalhadores com suspensão do contrato, terão direito a dois terços da remuneração até um limite de 1905 euros brutos (equivalente a três vezes o salário mínimo), pelo que não há novidade no que foi anunciado pelo governo agora. E nenhum trabalhador pode ficar a ganhar menos do que os 635 euros de salário mínimo, depois do corte.
Os representantes da CGTP na reunião desta segunda assumiram que estão preocupados e que discordam desse caminho. “Não estamos de acordo com [o lay-off] de maneira nenhuma”, disse Andreia Araújo. “Esta doença não pode servir para atacar os direitos dos trabalhadores”, anotou, alertando para questões que estão por resolver também na protecção dos que ficam doentes em casa ou a prestar apoio a um familiar.
Para a UGT, “é fundamental dar às empresas condições que lhes permitam acautelar momentos mais complicados, mas é igualmente necessário acautelar o rendimento dos trabalhadores”, observou Paula Bernardo. “É fundamental que olhemos para o actual regime legal do lay-off. Em algumas situações está previsto o pagamento a 100% da retribuição do trabalhador. Iremos preparar uma nota sobre essa questão. Garantir uma adequada protecção dos trabalhadores é garantir que estes não perdem rendimentos”.
Os perigos económicos do novo coronavírus eram o tema do encontro extraordinário da Concertação Social, do qual saiu um pacote de medidas que deixou os empresários satisfeitos por agora.
O pacote inclui adiamentos fiscais e promessas de apoio à tesouraria. Para mexer no lay-off, o Governo tem no entanto de pedir autorização ao Parlamento, e vai fazê-lo, como disse a ministra. Os direitos laborais são matéria reservada da Assembleia da República, como já disse o Tribunal Constitucional, num acórdão de 1991 em que também se debruçou sobre mudanças ao lay-off.
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