Efeito da crise do petróleo pode “ser bom” no imediato, mas há riscos a prazo

Duelo entre a Arábia Saudita e Rússia levou o petróleo à maior queda desde a Guerra do Golfo. Apetro alerta para riscos económicos se a descida persistir.

Foto
A Arábia Saudita pretende inundar o mercado de peteróleo barato. Na foto, o ministro saudita da energia , o príncipe Abdulaziz bin Salman Al Saud LUSA/FLORIAN WIESER

O embate entre a Arábia Saudita e a Rússia em torno da produção de petróleo até pode, à primeira vista, “ser bom” para os consumidores, mas António Comprido, secretário-geral da associação que representa as empresas do sector petrolífero, a Apetro, defende que “não devemos alegrar-nos demasiado”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O embate entre a Arábia Saudita e a Rússia em torno da produção de petróleo até pode, à primeira vista, “ser bom” para os consumidores, mas António Comprido, secretário-geral da associação que representa as empresas do sector petrolífero, a Apetro, defende que “não devemos alegrar-nos demasiado”.

Com uma descida dos preços da gasolina e do gasóleo, “o efeito imediato no bolso dos consumidores pode ser bom, mas é preciso ir mais fundo e perceber que podem vir aí problemas graves” se a situação de preços baixos do petróleo persistir, disse ao PÚBLICO.

Os países produtores “estão em maus lençóis”, incluindo Angola, que é um mercado importante para Portugal, e que ainda se encontra em situação de recessão, ou a Venezuela, que poderá ver a situação de crise política, económica e social, agravar-se ainda mais.

“Preços muito altos não são bons” porque asfixiam os países que dependem muito das importações – como é o caso de Portugal –, mas preços “muito baixos trazem uma série de consequências de médio e longo prazo” que têm associados riscos para a economia.

Antecipar o que vai acontecer a seguir não é fácil. “Desconhece-se até quando [Rússia e Arábia Saudita] vão esticar a corda, e em que condições” e, por outro lado, há uma “queda da procura, a que também se junta o efeito psicológico” exacerbado pelo medo do novo coronavírus, que leva à retracção do consumo.

“Neste quadro de incerteza, podemos fazer cenários, mas é muito difícil fazer previsões”, diz António Comprido.

Para já, a Arábia Saudita tem a seu favor o mesmo trunfo que usou em 2015 na guerra contra os produtores de petróleo de xisto norte-americanos: grandes reservas financeiras e um custo de extracção de petróleo muito baixo. “Estão a jogar essa arma, mas vamos ver por quanto tempo, porque a eles também não lhes interessa ter o petróleo a 30, 35 dólares [por barril] por muito tempo”, afirma o secretário-geral da Apetro.

Depois do fracasso das negociações com a Rússia, a Arábia Saudita decidiu cortar em cerca de oito dólares o preço de venda de cada barril para a Europa e para os Estados Unidos e em cerca de seis dólares o preço de venda para os mercados asiáticos, promovendo o maior corte nos preços desde 2004. Ao mesmo tempo, deverá aumentar as exportações em cerca de 800 mil barris diários, quando o mercado já acusa o excesso de oferta. Segundo uma nota de análise da Schroders divulgada esta segunda-feira, a estratégia poderá custar aos sauditas cerca de 120 mil milhões de dólares.

A Schroders nota que as cotações actuais são muito inferiores àquilo que está previsto nos orçamentos do Estado dos diversos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que terão de revê-los, gerando uma “instabilidade significativa”.

No sector petrolífero, os efeitos de uma crise também serão notados: “as empresas podem começar a rever os seus planos de investimento e a preparar cortes de custos”, explicou António Comprido.

Para já, o efeito visível e imediato é a queda do valor de mercado das petrolíferas. Esta segunda-feira, em Lisboa, as acções da Galp desvalorizaram-se 16,62%. Nas praças europeias, os títulos do sector registaram quedas igualmente expressivas: a Total caiu 16,61% e a Royal Dutch Shell, 17,48%. No caso da BP, a perda foi de 19,48% e a Equinor (a antiga Statoil) recuou 17,72%. A Repsol caiu 15,12%.

Ao final da tarde, o preço do barril de Brent caía cerca de 20%, para 36 dólares.

Se os preços se mantiverem em torno dos 35 dólares ao longo de 2020, as companhias petrolíferas arriscam-se a registar reduções nos meios libertos pela actividade na ordem dos 50% a 60%, estima a Schroders. Os cortes de dividendos podem não acontecer já, mas, sem a recuperação das cotações, “são uma certeza”, garante a casa de investimento.

O aumento dos preços virá com a aceleração das economias e com o aumento da procura (a deste ano foi hoje revista em baixa pela Agência Internacional de Energia), mas este cenário permanece incerto, tendo em conta os efeitos da epidemia de covid-19, cujo tempo que demorará até estar controlada ainda se desconhece.

  • Descarregue a app do PÚBLICO, subscreva as nossas notificações e esteja a par da evolução do novo coronavírus: https://www.publico.pt/apps