Pedro e Inês para os dias do Tinder
Para festejar o centenário do Teatro Nacional São João, Nuno Cardoso ocupou uma das mais vetustas casas da dramaturgia portuguesa, a Castro de António Ferreira, com a sua nova companhia residente. Mobilado a Ikea, alimentado a Chocapic, ligado em shuffle, o grande amor trágico que fundou uma imorredoura (e altamente freudiana) mitologia doméstica fica mais próximo, mas não menos impossível.
Nuno Cardoso ainda tem na cabeça, lá muito ao longe, a memória do cheiro a sabão que lhe ficou de um passeio do sétimo ano ao Mosteiro de Alcobaça e desse instante eventualmente fundador — romantizemos, para que fique claro que isto não apenas é o relato das aventuras de um encenador às compras no Ikea — em que se aproximou dos dois túmulos onde a mais trágica história de amor da mitologia nacional acabou os seus dias em total apoteose gótica. Lembra-se disso agora que acaba de mobilar, pela primeira vez na sua já avançada história enquanto encenador, um clássico absoluto do teatro português, no caso a Castro de António Ferreira (1528-1569), e nos faz a visita guiada ao condomínio fechado em que pôs Inês a dar-se à tristesse pós-coital no quarto, Pedro a afogar as mágoas em leite com Chocapic na cozinha e Afonso IV a viver os anos da próstata na casa-de-banho — um condomínio fechado inspirado pela visão já bem mais recente de um certo prédio de apartamentos de Eduardo Souto de Moura e que esta quinta-feira, muitas remodelações depois, está pronto a habitar no Teatro Aveirense. Ali fará mais duas apresentações, na sexta-feira e no sábado, antes de partir em digressão pelo país: nos próximos meses, o director artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ) andará literalmente com a casa às costas, com paragens em Bragança (11 de Março), Vila Real (14 de Março), Braga (20 de Março), Porto (27 de Março a 18 de Abril) e Almada (13 e 14 de Julho).