Uigures forçados a trabalhar em fábricas chinesas que fornecem para marcas como Nike, Adidas e Apple
Em Xinjiang, a detenção maciça dos uigures, minoria muçulmana, já era conhecida. Agora sabe-se que estão a ser enviados para fábricas noutras regiões da China que fornecem 83 grandes marcas internacionais.
Pelo menos 80 mil pessoas da minoria uigur foram transferidas da região autónoma chinesa de Xinjiang, muitas delas directamente de centros de “reeducação”, para fábricas noutras regiões da China que fornecem produtos para várias marcas internacionais, de acordo com um relatório do Instituto Australiano de Políticas Estratégicas (ASPI, na sigla em inglês), sediado em Camberra.
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Pelo menos 80 mil pessoas da minoria uigur foram transferidas da região autónoma chinesa de Xinjiang, muitas delas directamente de centros de “reeducação”, para fábricas noutras regiões da China que fornecem produtos para várias marcas internacionais, de acordo com um relatório do Instituto Australiano de Políticas Estratégicas (ASPI, na sigla em inglês), sediado em Camberra.
Sob condições que “sugerem fortemente trabalho forçado”, relata a ASPI, estes uigures trabalham em fábricas que fazem parte das cadeias de fornecimento de pelo menos 83 marcas importantes nos sectores de tecnologia, vestuário e automóveis, incluindo marcas como Apple, BMW, Gap, Huawei, Nike, Samsung, Sony e Volkswagen.
Recorrendo a documentos públicos, imagens de satélite, investigação académica e fontes noticiosas, o think tank australiano identificou 27 fábricas em nove províncias chinesas com trabalhadores uigures e de outras minorias étnicas que foram transferidos de Xinjiang, entre 2017 e 2019, com a conivência do governo, através de um esquema de transferência de mão-de-obra apoiada pelo Estado conhecido como “Xinjiang aid”.
Há indícios de que autoridades locais e intermediários privados estejam a ser “pagos por cabeça” pelo governo de Xinjiang para organizar as transferências, que o ASPI descreve como “uma nova fase na repressão em curso na China” contra os uigures, uma minoria predominantemente muçulmana.
O relatório Uigures à venda descreve que os trabalhadores desta minoria vivem em dormitórios segregados, passam por aulas de mandarim e por formação ideológica fora do horário de trabalho e estão sob vigilância constante. De acordo com documentos oficiais analisados pelo ASPI, a alguns trabalhadores são atribuídos conselheiros. Longe de casa, são também proibidos de cumprir as suas práticas religiosas, como o jejum do Ramadão.
A estimativa de 80 mil uigures deslocados é conservadora, nota a ASPI, que calcula que o número real de uigures transferidos possa ser muito superior. “O nosso relatório torna muito claro que a desapropriação dos uigures e outras minorias étnicas em Xinjiang tem também um carácter muito forte de exploração económica”, afirmou à BBC Nathan Ruser, co-autor do relatório. “Identificámos essa contaminação invisível e até agora oculta na cadeia de fornecimento global.”
Um dos casos referidos no relatório Uigures à venda é o da Qingdao Taekwang Shoes, uma fábrica no Leste da China que produz calçado para a Nike. Ali identificaram maioritariamente mulheres uigures, oriundas dos municípios Hotan e Kashgar (no Sul de Xinjiang), que eram forçadas a ir a aulas nocturnas cujos conteúdos eram semelhantes aos dos campos de reeducação.
A China tem vindo a ser alvo de condenação internacional devido à rede de “campos de reeducação” extrajudiciais em Xinjiang. Nos últimos anos, cerca de um milhão de uigures foram levados para estes campos de detenção para serem punidos e “endoutrinados”. As autoridades afirmam estar a combater o terrorismo e os extremismos religiosos.
O relatório da ASPI, também noticiado pelo jornal britânico The Guardian, surge poucos meses depois de ter sido anunciado que as pessoas detidas nestes “campos de reeducação” seriam libertadas por já estarem “formadas”. O documento deste think tank descreve tratar-se de uma nova fase na “re-educação” dos uigures e outras minorias étnicas pelas autoridades chinesas.