Criança morre ao largo da Grécia, a primeira vítima desde que Erdogan “abriu os portões”
Líderes europeus vão à fronteira grega mostrar solidariedade com o Governo grego. Enquanto isso, há milhares de pessoas em trânsito entre um incentivo turco a fugir e uma fronteira grega fechada.
Uma criança morreu depois de um barco se ter afundado ao largo da ilha grega de Lesbos, a primeira morte desde que o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou que tinha “aberto” os portões dos refugiados que estão na Turquia e querem passar para a Europa.
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Uma criança morreu depois de um barco se ter afundado ao largo da ilha grega de Lesbos, a primeira morte desde que o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou que tinha “aberto” os portões dos refugiados que estão na Turquia e querem passar para a Europa.
As autoridades turcas fomentaram o movimento de refugiados para a Grécia quer através da fronteira terrestre no rio Evros, quer através de barcos em direcção às ilhas perto da Turquia, como Lesbos, Quios ou Samos. Nos últimos dias, chegaram às ilhas mais de mil pessoas.
As autoridades dizem que a criança que morreu esta segunda-feira era um sírio de quatro anos, caído à água quando o barco em que seguia se afundou perto da ilha.
Fonte policial em Lesbos disse ao Guardian que o barco foi deliberadamente afundado pelos seus ocupantes para que pudessem ser salvos e levados para terra – uma prática comum porque se o barco não afundar, pode ficar horas parado. No domingo, havia vários relatos de barcos com refugiados parados no meio da curta travessia, em águas territoriais gregas, com lanchas da polícia marítima também paradas, sem os ajudar.
O exército anunciou “exercícios com balas reais” na ilha de Lesbos e na fronteira terrestre com a Turquia.
O primeiro-ministro grego disse ainda, no domingo, que ia suspender a possibilidade de quem chega pedir asilo no país – algo que já mereceu críticas do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), que diz que “não há qualquer base legal nem na convenção do estatuto de refugiados nem na lei de asilo da União Europeia para uma suspensão na recepção de pedidos de asilo”. Em Lesbos, a situação estava num ponto de tensão, com muitos habitantes locais a formarem grupos para impedir barcos de atracar – travaram mesmo uma embarcação em que estavam crianças e uma grávida – e ainda para impedir jornalistas e trabalhadores humanitários de circular. Também cortaram a passagem de autocarros com refugiados para o campo de Moria, onde há uma terrível sobrelotação. Grupos armados com paus agrediram jornalistas e partiram o seu equipamento.
Na semana passada, a ilha viu protestos contra a construção de campos fechados serem contrariados com violência pela polícia antimotim. Não era claro o estado destes planos de construir campos fechados e há autoridades gregas a propor mesmo que sejam construídos campos em ilhas desertas.
O Presidente turco repetiu esta segunda-feira que vai haver cada vez mais pessoas a passar a fronteira. “Vão ser milhões em breve. A época de sacrifícios só de um lado acabou”, disse Erdogan.
O incentivo turco terá incluído autocarros para levar refugiados até à fronteira, dizem jornalistas no terreno. Do lado grego, encontraram uma fronteira fechada e determinação em não os deixar passar. As autoridades gregas dizem que impediram a passagem de 15 mil pessoas, segundo o site Macropolis.
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) dizem que estas medidas “só vão levar a mais caos, mortes no mar, escalada de violência e um desastre humanitário ainda maior”. Para o coordenador de operações dos MSF na Grécia, Stefano Argenziano, “os Estados membros da União Europeia têm de dar passos para resolver a verdadeira emergência: tirar as pessoas das ilhas para países europeus, criar um sistema de asilo que funcione, e não deixar mais as pessoas encurraladas em condições terríveis”.
Os presidentes das três instituições europeias – Comissão, Conselho e Parlamento – combinaram para esta terça-feira uma deslocação conjunta à zona de fronteira entre a Grécia e a Turquia, onde estão diariamente a chegar centenas de refugiados. Trata-se, segundo explicou a líder do executivo comunitário, Ursula von der Leyen, de uma visita destinada a compreender a situação in loco para melhor avaliar as necessidades, em resposta aos apelos do Governo da Grécia. “Queremos manifestar o total apoio da União Europeia à Grécia, que neste momento está a enfrenta um desafio que é europeu”, declarou.
Os três líderes serão acompanhados pelo primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, que já pediu autorização para um reforço dos meios da guarda de fronteiras europeia Frontex, para apoiar as autoridades helénicas no seus esforços de protecção das fronteiras que, como justificou, implicam a “dissuasão” de cidadãos que tentem aceder ao território europeu.
A presidente da Comissão confirmou que o Governo de Atenas accionou o mecanismo europeu de intervenção rápida para reagir à pressão na fronteira com a Turquia, e informou que a Frontex está a consultar todos os Estados membros no sentido de facilitar o contingente e os equipamentos que as autoridades gregas solicitaram. “E claro que estamos sempre abertos para responder com o que quer que seja preciso, em termos de medidas ou ajuda adicional”, acrescentou.
Um porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel, declarou que o Governo alemão espera que a Turquia mantenha a sua parte do acordo de 2016, em que se compromete a não deixar passar refugiados para a Grécia em troca de ajuda humanitária para os refugiados que acolhe (3,6 milhões). Merkel acrescentou que é “inaceitável” que a Turquia “use” os refugiados para pressionar a União Europeia.
A Turquia vinha a ameaçar ciclicamente deixar de cumprir o acordo. A concretização acontece quando o seu exército está cada vez mais envolvido na guerra da Síria: na semana passada morreram 24 soldados turcos num bombardeamento das forças do regime de Bashar al-Assad, cujo avanço em Idlib, o último reduto dos rebeldes apoiados pela Turquia, levou à fuga de mais de 900 mil pessoas que estão em condições muito precárias.
com Rita Siza, em Bruxelas