Bebés a desenhar a criação do universo? Uma oficina, uma exposição e agora um livro

A autora e ilustradora Margarida Botelho criou oficina Big Bang Boom! Da Criação do Universo à Origem da Vida para pais e bebés desenharem e pintarem livremente (e em todo o lado).

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Margarida Botelho na oficina Big Bang Boom! Mário Rainha Campos

Quando perguntamos a Margarida Botelho sobre a origem das oficinas de desenho para bebés que criou há quatro anos, responde-nos com o nascimento do filho, Gabriel (que em breve fará cinco anos): “O Gabriel foi o nosso Big Bang.”

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Quando perguntamos a Margarida Botelho sobre a origem das oficinas de desenho para bebés que criou há quatro anos, responde-nos com o nascimento do filho, Gabriel (que em breve fará cinco anos): “O Gabriel foi o nosso Big Bang.”

A ilustradora e autora, que desenvolve projectos artístico-educativos em bibliotecas, escolas e serviços educativos de centros culturais, levava muitas vezes consigo o filho bebé para as oficinas que orientava. Gabriel acabava a esticar a mão, em busca de explorar os materiais que a mãe utilizava. “Tudo o que eu tinha à volta não era apropriado para bebés. Mas não fazia sentido estar sempre a dizer: ‘Não mexe’.” Foi aí que começou a imaginar uma oficina com dimensões, escalas, materiais diferentes. E onde seria possível criar com liberdade: “Não fazia sentido, por exemplo, dizer para não pintar com os pés ou com a barriga.”

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Mário Rainha Campos

Organizou uma primeira oficina experimental, a que chamou Tchanam, para testar ideias e ver, sobretudo, como os bebés reagiam. As tintas usadas deveriam ser sempre feitas com produtos naturais — frutas, legumes, especiarias. “Nada que fizesse mal à pele e que os bebés pudessem pôr na boca.” Nessa primeira “oficina-cobaia”, a artista consolidou o formato que enquadraria daí para a frente o processo de criação: um espaço sem limites, uma sala forrada a papel de cenário, onde se podia pintar em todo o lado (até no tecto). O mote? Desenhar a criação do universo.

Durante o tempo dessa oficina, Margarida Botelho, 41 anos, lembra que Gabriel, na altura com 1 ano, pegou num alguidar de tinta feita a partir de morangos biológicos e despejou-o no chão. Ficou estarrecida. “Mas ele estava a fazer uma coisa que todos os bebés gostam de fazer. E ele estava a fazer Big Bang, explosões cósmicas.” No dia seguinte, quando olhou para o resultado das experiências dos bebés e pais com as tintas no papel, Margarida reparou num outro fenómeno: “Como eram tintas naturais, oxidaram e ganharam novos tons. Era mesmo o Big Bang, imagens que estão no nosso imaginário colectivo do espaço e da criação do universo.

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Mário Rainha Campos

Ao longo dos últimos quatro anos realizou 20 oficinas para bebés e suas famílias na Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea, em Almada, onde o companheiro, Mário Rainha Campos, fotógrafo e co-criador das oficinas Big Bang Boom!, coordena o serviço educativo: “É um espaço de experimentação e inter-relação significativa com o público, com liberdade criativa para os artistas onde as oficinas são gratuitas para todos.” Algo que Margarida diz ter sido essencial para criar estas oficinas de desenho, que entretanto já percorreram outros espaços culturais de norte a sul do país.

“No Verão, utilizávamos fruta, sumo; no Outono, o barro, cores naturais argilosas; no Inverno, brincávamos com a luz, o desenho da luz; e, na Primavera, muita água e mistura de cores.” Com o mote do Big Bang, a oficina é uma experiência de introdução ao desenho, às artes plásticas, “cruzando a gramática do ponto, da linha, do movimento com os fenómenos científicos”, explica Margarida. “Sempre que acabava uma oficina olhava para os metros e metros de papel de cenário e era maravilhoso. Pareciam nebulosas, galáxias, vulcões.”

Universo cósmico

Margarida Botelho e Mário Rainha Campos — que fotografou de perto as sessões — começaram a editar partes dos desenhos, a isolar excertos e a manipulá-los digitalmente, tentando passar do trabalho desenvolvido na oficina para um contexto mais artístico. Nasceu assim uma exposição, patente na Casa da Cerca até domingo, num híbrido entre o making of  das oficinas e um ensaio de ilustração a partir das manchas criadas no papel de cenário pelos participantes.

Através de um programa de edição de fotografia, brincaram com a inversão cromática para revelar imagens ainda mais próximas do universo cósmico. “O guião é sempre a origem da vida, a criação do universo, desde a célula até ao homem. Mas acaba por ser também uma reflexão sobre o que estamos a fazer ao planeta Terra: milhares de anos para criar este milagre da vida na Terra e estamos nós aqui, em meia dúzia de anos, a destruir tudo”, conclui.

Depois das oficinas e da exposição, Margarida quis deixar num suporte mais perene toda a experiência, indo, contudo, além dela. E, para isso, regressou ao filho, Gabriel, e às perguntas filosóficas que aos 4 anos lança à mãe: “Onde é que eu estava antes de nascer?”. O livro Big Bang Boom! Da Criação do Universo à Origem da Vida, que será lançado este domingo à tarde na Casa da Cerca, tem assim duas leituras (e duas capas), dois caminhos de descoberta: o lado científico e o das conversas entre mãe e filho. “São perguntas extraordinárias e, ao mesmo tempo banais, da curiosidade sobre o mundo”, resume Margarida.

Para a revisão científica do livro, Margarida Botelho procurou uma cientista, que queria que fosse mulher e mãe, capaz de mergulhar neste “universo da maternidade” que o projecto também abarca. “Não foi fácil encontrar”, mas acabou por chegar à cosmóloga Marina Cortês, investigadora no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, que marcará presença no lançamento para responder a “grandes perguntas da criação do Universo”.

Talvez acabem a falar de maternidade, também. “Quando és mãe sais do teu centro. Olho para o meu filho e vejo a minha infância, vejo o futuro. Com controlo, mas sem controlo nenhum”, reflecte Margarida. “Se isto são tudo ondas gravitacionais, uma criança põe tudo isto no máximo!”