Câmara de Lisboa compra a centenária Vila Dias por 3,8 milhões
Autarquia anuncia que chegou a acordo com o actual proprietário. Medina estará este sábado na vila para falar das obras de reabilitação, que pretende que sejam “um projecto âncora” para todo o Beato.
Em 132 anos, a Vila Dias assistiu a mais mudanças de proprietário do que a mudanças nos edifícios. Nesta antiga vila operária do Beato, em Lisboa, vive-se há décadas na expectativa das obras profundas que as casas precisam e, nos últimos anos, os moradores tornaram-se mais insistentes na reivindicação.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em 132 anos, a Vila Dias assistiu a mais mudanças de proprietário do que a mudanças nos edifícios. Nesta antiga vila operária do Beato, em Lisboa, vive-se há décadas na expectativa das obras profundas que as casas precisam e, nos últimos anos, os moradores tornaram-se mais insistentes na reivindicação.
Há três anos, a vila conheceu um novo dono que prometeu reabilitar tudo, atrair novos moradores e manter os que já lá estavam, mantendo-lhes também as rendas. Encarado com desconfiança pela Associação de Moradores das Vilas Operárias do Beato (AMVOB), o negócio viria a ser contestado judicialmente pela Câmara de Lisboa, alegando que não lhe tinha sido dado direito de preferência.
A contenda arrasta-se desde então mas parece ter agora um fim à vista. O presidente da câmara vai este sábado à vila anunciar que a autarquia chegou a acordo com os actuais proprietários e passará a ser dona daquele conjunto habitacional. Por 3,8 milhões de euros, a câmara adquire os 160 fogos e um terreno para construir mais, assegurando a reabilitação dos edifícios e a criação de “um projecto âncora para a requalificação da freguesia”.
O contrato foi assinado na sexta-feira à tarde. José Morais Rocha, gestor da Sociedade Vila Dias, proprietária do bairro, confirmou ao PÚBLICO as negociações com a autarquia. Já Hugo Marques, dirigente da AMVOB, congratulou-se com esta conclusão, apesar de ainda desconhecer os contornos concretos da transacção. “O medo dos despejos termina aqui”, declarou.
Hugo Marques nunca acreditou na palavra de Morais Rocha, que insistiu sempre que não pretendia despejar ninguém. Numa conversa com o PÚBLICO poucos meses depois de comprar a vila e de a câmara ter anunciado que queria contestar a venda, o empresário dizia que o local lhe fazia lembrar a Vidigueira natal e que a sua intenção era “fazer um bairro bonito” com “casas apetecíveis” para ter “uma vila rejuvenescida”. “Aquilo está com um aspecto horrível, com aquelas parabólicas todas”, comentava Morais Rocha.
A AMVOB, no entanto, acusou a Sociedade Vila Dias de não fazer obras a sério e defendeu várias vezes a necessidade de a posse das casas passar para a câmara. Durante a campanha para as autárquicas, Fernando Medina visitou a vila, prometeu que não deixaria os seus habitantes “sozinhos” e foi aplaudido entusiasticamente.
Contendas judiciais terminam
Emparedada entre duas linhas de comboio em Xabregas, a Vila Dias é essencialmente composta por uma rua comprida ao longo da qual se perfilam casas com rés-do-chão e primeiro andar, com cores e caixilharias ao gosto de cada inquilino. Antenas parabólicas posicionam-se ao lado de cada janela, enquanto lá dentro há buracos nas escadas, infiltrações e esgotos entupidos. Há habitações em avançado estado de degradação, como o PÚBLICO comprovou em mais do que uma visita, e mais de 40 estão abandonadas ou ocupadas ilegalmente.
A Sociedade Vila Dias comprou o bairro por 1,9 milhões de euros em Abril de 2017 a uma empresa de construção civil e, pouco depois, a câmara municipal entrou com uma acção em tribunal para anular o negócio, argumentando que não lhe tinha sido comunicado que a vila estava à venda, o que, acrescentava, era obrigatório por lei visto a zona estar abrangida pela Área de Reabilitação Urbana do Vale de Chelas.
A assembleia municipal chegou mesmo a autorizar, por unanimidade, que a vila fosse comprada por 1,3 milhões de euros caso o tribunal desse razão ao município, o que não aconteceu em primeira instância.
Mais de dois anos depois, com o acordo agora alcançado, a câmara paga 3,8 milhões e, além de adquirir os imóveis, desiste dessa acção judicial. Ao mesmo tempo, segundo uma fonte autárquica, a Sociedade Vila Dias desiste de uma acção que tinha posto ao município a contestar a intimação para a realização de obras coercivas.
“É um desfecho bom para as pessoas que aqui vivem”, conclui Hugo Marques, lembrando “a longa luta” para que isto acontecesse. A aquisição agora anunciada terá ainda de ser aprovada pela câmara e pela assembleia municipal.