O orçamento da UE e o interesse nacional
O governo português deve rejeitar pressões e defender firmemente os interesses nacionais, não abdicando de nenhum instrumento ao seu dispor para o efeito, incluindo o direito de veto.
A proposta de orçamento da UE para o período 2021-2027, discutida no último Conselho Europeu extraordinário e elaborada pelo seu presidente, o belga Charles Michel, é inaceitável para Portugal e não pode senão ser rejeitada.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A proposta de orçamento da UE para o período 2021-2027, discutida no último Conselho Europeu extraordinário e elaborada pelo seu presidente, o belga Charles Michel, é inaceitável para Portugal e não pode senão ser rejeitada.
Esta proposta, a ser aprovada, significaria um corte global de 12% nas verbas destinadas à “coesão económica e social”, agravando o corte de 10% previsto na proposta original da Comissão Europeia, de Maio de 2018.
Na agricultura, o corte global previsto atinge os 14% face ao orçamento actual (2014-2020). No caso específico das verbas destinadas ao “desenvolvimento rural” (IIº. pilar da PAC), o corte chega aos 25%.
A proposta Michel não se limita a cortar verbas em áreas cruciais, particularmente para países como Portugal. Dificulta também as condições de mobilização dessas verbas, reduzindo as taxas de cofinanciamento da UE, para todas as regiões.
Quase dois anos transcorridos desde a apresentação, pela Comissão Europeia, da primeira proposta de Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027, já de si inaceitável, a discussão no Conselho Europeu foi marcada por uma proposta ainda pior para Portugal e para os demais “amigos da coesão”. Ambas vão claramente ao encontro dos interesses e das posições das principais potências europeias, que são também as maiores beneficiárias da integração – do mercado único, do Euro, das políticas comuns e do próprio orçamento, do qual querem beneficiar ainda mais.
O tempo corre contra os “países da coesão”. Os previsíveis atrasos na aprovação, programação e execução das verbas do QFP 2021-2027, obviamente prejudicariam mais os países, como Portugal, nos quais estas verbas assumem um maior peso no investimento público, o que não deixará de ser usado como um instrumento de divisão, de pressão e de chantagem sobre estes países. Mas em nenhuma circunstância, este prejuízo poderá justificar a aceitação pelos próprios de uma proposta inaceitável.
O governo português deve rejeitar pressões e defender firmemente os interesses nacionais, não abdicando de nenhum instrumento ao seu dispor para o efeito, incluindo o direito de veto.
A defesa dos interesses nacionais passa pela rejeição de cortes no envelope financeiro destinado a Portugal e pela exigência de reforço das verbas destinadas à “coesão económica e social”, não esquecendo que os recursos que actualmente lhe estão devotados se revelaram insuficientes e incapazes de inverter a dinâmica de divergência no seio da UE e da Zona Euro. Nesse sentido, até a proposta do Parlamento Europeu está longe de ser satisfatória. O status quo não nos serve, pelo contrário, aproveita apenas aos principais beneficiários da integração.
O governo português não deve deixar de articular esta negociação com outras, importantes para o País: a necessidade de libertação de constrangimentos como o pacto de estabilidade, o semestre europeu, a governação económica ou o tratado orçamental, deve ser trazida para a mesa do debate orçamental.
O país tem recursos. As regras e o funcionamento da UE constrangem fortemente a sua utilização a favor dos interesses, necessidades e prioridades nacionais. Entre 2014 e 2020, a saída de juros, lucros e dividendos de Portugal para países da UE ultrapassará largamente o saldo das transferências da UE para Portugal, via orçamento da UE.
Por razões várias, desde logo pela prevista diminuição significativa deste saldo (pagaremos mais e receberemos menos), Portugal dependerá cada vez mais de si próprio, dos seus recursos, o que só reforça a necessidade de se libertar das regras da UE que impedem a mobilização desses recursos a favor do País e da resposta aos inúmeros problemas que enfrenta. Cada décima de excedente orçamental representa quase três vezes, num ano, tudo o que se prevê que Portugal venha a arrecadar, em sete anos, do novel e muito propagandeado “Fundo de Transição Justa”, apenas para dar um exemplo.
No debate em curso, com a afirmação determinada da soberania e dos interesses nacionais, contra o cortejo de imposições de quem manda na UE, Portugal terá a ganhar muito mais do que aquilo que lhe possa chegar do orçamento da UE.