Descentralização: ultrapassar o impasse!...
O Estado central a que chegámos interessa aos putativos senadores e lóbis que o colonizam. Estes, estrategicamente, assentaram os seus arraiais em Lisboa capital, junto aos centros de decisão.
Em termos europeus, a discussão entre estratégias de desenvolvimento baseadas em territórios ou lugares (place-based) e estratégias de desenvolvimento neutras em relação aos territórios ou lugares (place-neutral) está na ordem do dia. A União Europeia (UE) adotou na Política de Coesão uma abordagem baseada em territórios ou lugares e tudo aponta que o possa vir a fazer em breve no 1º pilar da Política Agrícola Comum (PAC), à imagem do que já sucede há vários anos com programas como o LEADER do 2º pilar da PAC.
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Em termos europeus, a discussão entre estratégias de desenvolvimento baseadas em territórios ou lugares (place-based) e estratégias de desenvolvimento neutras em relação aos territórios ou lugares (place-neutral) está na ordem do dia. A União Europeia (UE) adotou na Política de Coesão uma abordagem baseada em territórios ou lugares e tudo aponta que o possa vir a fazer em breve no 1º pilar da Política Agrícola Comum (PAC), à imagem do que já sucede há vários anos com programas como o LEADER do 2º pilar da PAC.
São duas ideias de futuro da Europa em confronto. Uma Europa das Regiões, baseada em territórios ou lugares, onde cada um tem uma voz e/ou um papel ativo no processo de desenvolvimento, seja qual for o território ou lugar onde habite, num contexto de governança multinível e de subsidiariedade; e uma Europa das Nações, cujas decisões são centralizadas em diretórios de países, sujeita aos caprichos e à extração de rendas dos mercados financeiros e, como consequência, vulnerável a ondas iliberais, nacionalistas, populistas e xenófobas.
É no quadro do confronto acima que o problema da organização do Estado português se coloca no presente. No País e na Europa, a Descentralização serve para aumentar a confiança nas instituições e a eficácia das políticas públicas, a transparência da sua atuação e o seu controlo democrático, com aproximações territoriais, transversais, participadas pela sociedade civil, num contexto, repete-se, de governança multinível e de subsidiariedade.
E que Estado central português é preciso reorganizar, em concreto? Um Estado central com um número crescente de secretários de Estado (que passam mais de metade do seu tempo a autorizar e a desautorizar as mais diversas administrações); em que 1 administrador hospitalar, que gere centenas de milhões de euros num ano, não tem autonomia para contratar 1 técnico auxiliar (tendo, para o efeito, de pedir autorização a mais do que 1 secretário de Estado); que pretende controlar os custos dos seus organismos, rubrica a rubrica (em vez de controlar as margens geradas, organismo a organismo); que desresponsabiliza os dirigentes dos seus organismos, ao transportar as mais diversas decisões para os secretários de Estado (abrindo a porta, deste modo, à nomeação de dirigentes pouco qualificados); que considera que o País é demasiado pequeno para ter sistemas regionais de inovação (sendo que os implementou por imposição da UE); em que cada organismo de cada ministério atua como se os outros não existissem e que, para acudir às emergências, responde com novos organismos – mais Estado em cima do Estado – aos seus problemas organizativos (veja-se o caso da recém-criada Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais- AGIF); que escolhe intrometer-se no traçado das linhas do metro de Lisboa e do Porto (e remeter para os municípios a atração de empresas e/ou de Investimento Direto Estrangeiro); que compensa o défice orçamental da sua administração central com um superávite orçamental da administração local e regional (o que diz muito acerca do entendimento que o poder central tem da coesão territorial do País); que perde mais tempo em obras, inaugurações e autorizações do que a pensar e a posicionar, estrategicamente, o País.
E quando se fala em reorganizar este Estado central, a resposta de Lisboa capital é sempre “Não!”. Deslocalizar o Estado central? Não pode ser. Desconcentrar? Está fora de questão. Descentralizar? Nunca. Profissionalizar a administração? Nem pensar. Dar coerência intersectorial de atuação à mesma? Onde já se viu? Nada é possível. E assim sucede porque o Estado central a que chegámos interessa aos putativos senadores e lóbis que o colonizam. Estes, estrategicamente, assentaram os seus arraiais em Lisboa capital, junto aos centros de decisão do mesmo.
O que fazer? Será que mudar a capital do País ajudaria a reorganizar o seu Estado? Saindo o poder central de Lisboa, seria mais difícil justificar a localização do grosso da administração central nesta cidade. Se existem senadores putativos e lóbis instalados em Lisboa, junto aos centros de decisão, mudar os centros de decisão de lugar obrigaria estas pessoas a acompanhar, de armas a bagagens, a referida mudança, no sentido de preservarem a influência que têm. A mudança de lugar de residência demoraria tempo, seria um aborrecimento e uma trabalheira, para as ditas pessoas. Nesta transição, abrir-se-ia uma janela de oportunidade para discutir e reorganizar o Estado de um outro modo. Acresce que a posição de Lisboa (cidade e região), relativamente à reforma do Estado, mudaria por completo. Ou muito nos enganamos, ou passaria a estar ao lado dos três Dês da reforma do Estado: Deslocalização, Desconcentração e Descentralização.
Não estamos a falar em nada do outro mundo. Na Holanda, a capital política é Haia, não é Amesterdão ou Roterdão. No Brasil, a capital política mudou do Rio de Janeiro para Brasília, no planalto central, e não para São Paulo. Nos Estados Unidos, a capital política é Washington, D.C., não é Nova Iorque nem é Los Angeles.
Em Portugal, são várias as cidades alternativas. Apresentamos em seguida argumentos que suportam a escolha de Coimbra, D.C.: é conhecida internacionalmente e tem uma das universidades mais antigas do País; está na transição com os territórios mais marcados pela cultura islâmica do País, pois entre o século X e XI, depois das suas incursões a Norte, as tropas de Almançor estacionaram a Sul do Mondego; chegou a ser capital do País, no tempo de D. Afonso Henriques; a par de Aveiro e do Porto, tem um dos sistemas regionais de inovação com melhor desempenho do País e o que mais se articula com o todo nacional; está na confluência entre territórios de alta e baixa densidade, entendendo estas duas realidades; tem um português falado em que não se trocam os vês pelos bês e em que se pronunciam as palavras tio, rio e frio com as duas sílabas; tem a música da Né Ladeiras e do Pedro Ayres Magalhães; e, cereja no topo do bolo, tem o Portugal dos Pequenitos, parque temático que poderia vir a ser importante para a diversão dos nostálgicos da centralização que passassem a residir na cidade.
É tempo do Portugal das Regiões fazer o seu caminho.