Após a aprovação da eutanásia no Parlamento, impera a questão: e agora?
Será com certeza legítimo temer uma banalização da eutanásia, caindo no uso arbitrário e desgovernado, visto como algo banal no dia-a-dia de um hospital. Não será este o caminho (espero). Para evitar tal desfecho será importante legislar e estabelecer limites precisos a esta prática.
Certamente um longo e tortuoso caminho se afigura pela frente. Para o sucesso deste processo, impõe-se uma legislação firme e sem ambiguidades, tarefa que não será fácil.
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Certamente um longo e tortuoso caminho se afigura pela frente. Para o sucesso deste processo, impõe-se uma legislação firme e sem ambiguidades, tarefa que não será fácil.
Desde logo nos deparamos com a dificuldade de estabelecer critérios de inclusão para um início de processo. Quais serão as situações elegíveis? O que é o sofrimento insuportável? Será que o pedido de alguém para morrer expressa verdadeiramente o seu desejo ou será apenas um manifesto do seu sofrimento e desespero? Serão a dor que sente nesse momento, os vómitos incoercíveis, diarreia ou obstipação, limitação de movimento, perda de autonomia, etc., o motivo desse pedido?
Ora, todos nós nos inserimos num meio e, por conseguinte, todas as nossas acções são influenciáveis e regidas pelo contexto. Acredito (e aqui sublinho que mais não passa de uma especulação, já que julgo que ninguém sabe como reagiria ao se encontrar em tal situação) que existirão flutuações e hesitações e, portanto, esta não deverá ser uma decisão tomada de ânimo leve, mas sim algo ponderado e amadurecido, livre de pressões sociais, culturais, religiosas ou familiares. A decisão, ou não decisão, não se deverá basear em preconceitos. Esta é uma área cinzenta e por isso de difícil definição.
É, ainda, questionável se o que hoje é uma doença incurável amanhã já terá tratamento. No entanto, sejamos francos: a ciência evolui rapidamente, mas não à velocidade da luz. Todas as cinco propostas defendem a suspensão do processo se o doente ficar inconsciente, ponto este que me parece uma possível fonte de discórdia no futuro. Efectivamente, depreende-se que um doente inconsciente já não sofre, no entanto o que acontece se este tiver deixado expressa a sua vontade? Se fosse seu desejo não viver assim? Nem questiono o sofrimento (muitas vezes prolongado) dos familiares, já que entraríamos num campo de ainda maior incerteza e de possível conflito de interesses. Não será válido cumprir o seu desejo expresso? Deixo esta interrogação.
Será com certeza legítimo temer uma banalização da eutanásia, caindo no uso arbitrário e desgovernado, visto como algo banal no dia-a-dia de um hospital. Não será este o caminho (espero). Para evitar tal desfecho será importante legislar e estabelecer limites precisos a esta prática.
Acredito que cada caso terá as suas particularidades, devendo, por isso, ser garantida uma avaliação faseada e multidisciplinar. Será importante não deixar cair no esquecimento os cuidados paliativos, um argumento muitas vezes utilizado por quem se afirma contra como solução. Não o vejo como uma solução em muitos dos potenciais casos elegíveis, no entanto a sua melhoria é fulcral para a evolução dos cuidados de saúde em Portugal. Apesar da palavra eutanásia na sua origem remeter para uma “boa morte”, considero que nenhuma morte é boa, visto não ser isenta de dor (sobretudo psicológica). Mas poderá ser a opção menos dolorosa para muitos doentes.
Estará já a nossa sociedade preparada para o início deste processo? Julgo que não. Sobretudo por desconhecimento, equívocos e incertezas. Mas será possível ter certezas num confronto entre a vida e a morte?