A “bravura” de Pepetela deu-lhe o prémio do Correntes d’Escritas 2020
O escritor angolano conquistou o Prémio Literário Casino da Póvoa com o romance Sua Excelência, de Corpo Presente.
O escritor angolano Pepetela é, com Sua Excelência, de Corpo Presente (Dom Quixote, 2018), o vencedor do Prémio Literário Casino da Póvoa do Correntes d’Escritas 2020. O anúncio foi feito esta manhã na cerimónia de abertura oficial do festival que reúne escritores de expressão ibérica na Póvoa de Varzim.
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O escritor angolano Pepetela é, com Sua Excelência, de Corpo Presente (Dom Quixote, 2018), o vencedor do Prémio Literário Casino da Póvoa do Correntes d’Escritas 2020. O anúncio foi feito esta manhã na cerimónia de abertura oficial do festival que reúne escritores de expressão ibérica na Póvoa de Varzim.
A entrega do prémio, no valor de 20 mil euros, terá lugar na sessão de encerramento do festival, no próximo sábado, às 18h, mas o escritor já anunciou que não poderá estar presente, por ter sido operado recentemente. “Uma intervenção sem grande gravidade, mas necessária”, explicou numa mensagem que enviou e foi lida na cerimónia. “Ainda não estou liberado para viajar, nem para fazer qualquer esforço físico adicional, como decerto compreenderão”, revelou Pepetela. Será por isso um representante da editora Dom Quixote a receber o prémio pelo escritor.
Foi por unanimidade que o júri constituído por Ana Daniela Soares, Carlos Quiroga, Isabel Pires de Lima, Paula Mendes Coelho e Valter Hugo Mãe atribuiu o prémio a Pepetela, destacando “a originalidade do estratagema narrativo eficaz para denunciar com ironia uma história de nepotismo e abuso de poder próprios de sistemas totalitários” e manifestando-se “sensível à dimensão antecipativa da ficção do autor, que estabelece fortes pontos de contacto com a realidade actual”.
Valter Hugo Mãe, que já participou em três reuniões de júri deste prémio literário, disse ao PÚBLICO que “esta foi a mais cordial, aquela em que mais facilmente se criou entendimento”. Claro que “há sempre livros que suscitam paixões”, mas “foi muito fácil chegar a um consenso”, acrescentou.
Pepetela, 78 anos, sucede ao poeta Luís Quintais, distinguido em 2019 com A Noite Imóvel. Prémio Camões em 1997, o autor integrava a lista de 15 finalistas nomeados pelo júri a partir de mais de 120 candidatos, na qual encontrávamos Leonardo Padura (A Transparência do Tempo), Valério Romão (Cair para Dentro), Joana Bértholo (Ecologia), Lídia Jorge (Estuário), Pedro Juan Gutierrez (Fabián e o Caos), Mário Cláudio (Memórias Secretas), João Paulo Sousa (Ninguém Espera por mim no Exílio), Mia Couto (Bebedor de Horizontes), Ana Cristina Leonardo (O Centro do Mundo), Rui Lage (O Invisível), Maria Gainza (O Nervo Óptico), Fernando Aramburu (Pátria) e Kalaf Epalanga (Também os Brancos Sabem Dançar).
Entre os finalistas, havia romances de estreia ou de autores como Valério Romão, “que representa uma novíssima geração”, mas ao mesmo tempo de romancistas consagrados como Mia Couto ou Lídia Jorge, “dos mais reconhecidos autores do nosso panorama literário”. Articular uma lógica que permitisse comparar “romances tão distintos e que ao mesmo tempo revelam estádios distintos de evolução dos autores” foi o desafio do júri. “Foi necessário um compromisso, andámos ali entre um mais velho e um mais novo... Os dois livros finais eram opostos nesse sentido, um autor consagrado e um autor por consagrar”, revelou Valter Hugo Mãe. “Creio que o facto de Pepetela ter conseguido antecipar, prever a realidade, acaba por justificar o prémio, pela sua bravura.”
A obra do escritor angolano “caracteriza-se sempre por uma grande preocupação em retratar a história do seu país e também a história do nosso tempo”, disse por sua vez ao PÚBLICO Cecília Andrade, a editora de Pepetela na Dom Quixote. “Este seu último romance é um livro premonitório, como a grande literatura”, argumentou.
Sua Excelência, de Corpo Presente acompanha o velório de um ditador que, já morto, vê e ouve falar à sua volta. “Ao longo de toda essa noite e até ao seu enterro, vai contando as histórias das pessoas que o velam. São as lutas de poder, os aproveitamentos, a família que tem ambições e que trai. E é um retrato deste mundo”, diz Cecília Andrade. “Podemos pensar em alguns ditadores que conhecemos de outros países africanos e se calhar, também, em alguns chefes de Estado de democracias. É um livro que tem a ver com este tempo e devia ser lido pelos jovens.”
A 21.ª edição do Correntes d’Escritas, que tem como destaque a literatura catalã, acolherá como convidado da sessão de abertura que decorre esta quarta-feira o arquitecto Álvaro Siza, prémio Pritzker e distinguido em 2019 com o Prémio Nacional de Arquitectura Espanhol. A conferência de Álvaro Siza está marcada para 15h, no Cine-Teatro Garrett, sob o título A Arquitectura e outras Artes. Na cerimónia desta manhã foi também lançada a revista oficial do festival, dedicada à escritora Hélia Correia que agradeceu “a manifestação de afecto e carinho”.
O primeiro Prémio Literário Casino da Póvoa foi atribuído em 2004 a Lídia Jorge, pelo romance O Vento Assobiando nas Gruas. Distinguindo de forma alternada a poesia e a prosa, conta entre os seus premiados Carlos Ruiz Zafón, Maria Velho da Costa, Pedro Tamen, Rubem Fonseca, Hélia Correia, Fernando Echevarría, Javier Cerca e Ana Luísa Amaral, entre outros autores.