Proposta para permitir inseminação post mortem apresentada ao Parlamento

Actualmente, “não é lícito à mulher ser inseminada com sémen” do marido ou do homem com quem vivia em união de facto se aquele tiver morrido, “ainda que este haja consentido no acto de inseminação”. Ângela Ferreira quer mudar isso.

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Nuno Ferreira Santos

A iniciativa legislativa para alterar a lei sobre a procriação medicamente assistida e permitir que uma mulher engravide do marido morto já deu entrada no Parlamento para discussão. Ângela Ferreira, a mulher que quer engravidar recorrendo ao sémen do marido que morreu de cancro, é a primeira signatária.

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A iniciativa legislativa para alterar a lei sobre a procriação medicamente assistida e permitir que uma mulher engravide do marido morto já deu entrada no Parlamento para discussão. Ângela Ferreira, a mulher que quer engravidar recorrendo ao sémen do marido que morreu de cancro, é a primeira signatária.

O projecto de alteração à lei n.º 32/2006 de 26 de Julho, que regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida,​ irá obrigar o Parlamento a discutir a possibilidade de permitir, em Portugal, a “inseminação artificial com sémen de cônjuge já falecido”.

Actualmente,"não é lícito à mulher ser inseminada com sémen" do marido ou do homem com quem vivia em união de facto, depois de este morrer, “ainda que este haja consentido no acto de inseminação”. O sémen recolhido antes da morte tem de ser destruído. 

Ângela Ferreira ficou conhecida por tentar engravidar com o sémen preservado do marido que morreu vítima de cancro. Antes de morrer, o marido deixou uma autorização escrita onde permite que Ângela tente engravidar com esse material biológico.

Não é possível fazer o procedimento em Portugal, porque a lei nacional não o permite. Por isso a viúva redigiu uma proposta de alteração à lei, que reuniu mais de 20 mil assinaturas antes de ser enviada ao Parlamento.

Ângela Ferreira afirma que se afigura “de extrema crueldade e discriminação” que uma mulher que tenha iniciado um processo de procriação medicamente assistida durante a vida do companheiro e “crio-preservado o seu sémen” com o seu consentimento “não possa dar continuidade ao desejo do casal”.

Caso se tratasse de um doador anónimo, a questão da vida ou da morte já não era colocada, uma vez que “não existe qualquer mecanismo de controlo para aferir a sobrevida” desse dador, alega.

Por outro lado, Ângela Ferreira também se mostra contra o período actualmente vigente para a destruição dos gâmetas recolhidos. De acordo com o documento entregue na Assembleia, “a morte do progenitor (…) encurta drasticamente e sem razão devidamente fundamentada” esse período.

Por isso, propõe uma alteração à lei de forma a permitir a inseminação pós-morte desde que tenha sido “claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai”. Havendo consentimento, pretende que o sémen possa ser usado mesmo que não tenha sido recolhido com esse intuito. A criança que nascer dessa inseminação será “filha do falecido”, lê-se na proposta.

A viúva luta há vários meses contra a lei. O marido, que morreu de cancro em Abril de 2019, fez a recolha e preservação de sémen para garantir a continuidade do processo de fertilização iniciado antes da sua morte. O sémen ficou no Centro Hospitalar Universitário São João, no Porto, onde o marido estava a ser acompanhado. Antes de morrer, o marido deixou um documento autorizando-a a continuar o processo naquela instituição ou noutra que lho permita fazer.

Ângela queria usar o sémen para fazer a inseminação artificial em Espanha, mas hospital não permite que a mulher recolha o material biológico, que já esteve para ser destruído.