Quando um fascista (não) tem razão
Urge fazer uma análise das falhas no nosso sistema democrático que permitiram a constituição de partidos racistas e que perfilham uma ideologia fascista contrária aos princípios da nossa Constituição.
Por vezes, acontece um fascista ter razão. Joseph Goebbels, famigerado ministro da propaganda nazi, num momento de inconfidência cínica, declarou: “Isto será sempre uma das melhores piadas da democracia, o facto de ter dado aos seus inimigos mortais os meios para a destruírem.” Goebbels tinha razão. O fascista, além de possuir o domínio de várias artes criminosas, é exímio no conhecimento dos mecanismos da democracia e sabe como deles tirar proveito. O fascista perverte os direitos que a democracia lhe assegura como, por exemplo, a liberdade de expressão ou ainda o direito de criar partidos e apresentar-se a eleições com o intuito de destruir a própria democracia.
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Por vezes, acontece um fascista ter razão. Joseph Goebbels, famigerado ministro da propaganda nazi, num momento de inconfidência cínica, declarou: “Isto será sempre uma das melhores piadas da democracia, o facto de ter dado aos seus inimigos mortais os meios para a destruírem.” Goebbels tinha razão. O fascista, além de possuir o domínio de várias artes criminosas, é exímio no conhecimento dos mecanismos da democracia e sabe como deles tirar proveito. O fascista perverte os direitos que a democracia lhe assegura como, por exemplo, a liberdade de expressão ou ainda o direito de criar partidos e apresentar-se a eleições com o intuito de destruir a própria democracia.
A minha geração pós-25 de Abril cresceu orgulhosa a acreditar que a nossa Constituição nos protegia do regresso do fascismo. Confiávamos no n.° 4 do artigo 46.° que estabelece o seguinte: “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.” Até há pouco tempo, Portugal era apresentado nos media internacionais como um oásis, num contexto de um movimento mundial de crescimento da extrema-direita. Morreu o orgulho e a confiança.
Acabou-se o oásis a partir do dia em que o Tribunal Constitucional decidiu aceitar a inscrição do partido político Chega fundado por André Ventura, um notório racista com afinidades com a extrema-direita. Se os juízes se basearam unicamente nos estatutos do partido a decisão é compreensível, nada deixa transparecer no documento o caráter racista ou fascista do partido, pelo contrário, o documento estabelece como seus princípios e valores fundamentais a rejeição de qualquer tipo de totalitarismo racismo, xenofobia ou discriminação. No entanto, já eram conhecidas as declarações públicas racistas reiteradas de André Ventura, sobretudo contra as pessoas ciganas, ou seja, já havia uma distinção entre a teoria dos estatutos e os atos do fundador.
Entretanto, o programa com que se apresentou às eleições legislativas, concebido pelo ideólogo Diogo Pacheco de Amorim, um notável fascista, já é mais explícito nos ataques à Constituição, na defesa de acumulação de poderes, nas medidas discriminatórias contra os imigrantes, os refugiados, as associações feministas e os direitos LGBT, na “oposição frontal à tipificação do chamado “crime de ódio” na lei penal portuguesa”, o que permitiria não condenar crimes racistas como os que foram perpetrados contra o jogador Marega. E também assumida a filiação do partido ao movimento internacional da chamada direita identitária, ou seja, a extrema-direita. Entretanto, Ventura foi explicitamente racista e xenófobo contra uma colega deputada, ato reconhecido como discriminatório por todos os outros partidos, assim como o Presidente da Assembleia da República, nazis foram reconhecidos nos órgãos de direção do partido, uma saudação nazi foi feita num comício sem que André Ventura reagisse, neonazis já condenados como Mário Machado demonstraram o seu apoio ao partido. Os seus apoiantes atacam adversários nas redes sociais, insultam, fazem ameaças físicas e até de morte, concertam-se para deitar abaixo páginas e blogs, fazendo reinar um clima ditatorial, tentando impor o silêncio próprio dos regimes fascistas a quem ousa pôr em causa o líder.
Existe, agora, matéria suficiente para que sejam feitas queixas com vista a ilegalizar o partido junto das entidades competentes em Portugal, para que o Tribunal Constitucional reavalie a legalidade deste partido. Esgotadas as vias legais internas, os cidadãos serão obrigados a recorrer às instâncias internacionais porque será manifesta a falta de proteção do Estado português.
Urge fazer uma análise das falhas no nosso sistema democrático que permitiram a constituição de partidos racistas e que perfilham uma ideologia fascista contrária aos princípios da nossa Constituição. Esta análise deverá ser seguida das diligências legislativas necessárias para precaver a formação de outros partidos da mesma índole enquanto o Parlamento é (ainda) constituído na sua esmagadora maioria por democratas. É necessário não dar razão a Goebbels e retirar enfim aos inimigos da democracia os meios para a destruírem.