Igor C. Silva: o Jovem Compositor cresceu e criou uma banda sonora para o Repórter X

Depois de ter sido o jovem compositor em residência em 2012, Igor C. Silva foi agora convidado pela Casa da Música para construir uma banda sonora para o filme O Táxi 9297. Esta nova visão do policial de Reinaldo Ferreira é apresentada terça-feira, 18 de Fevereiro, no âmbito do ciclo Invicta.Música.Filmes

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Somos recebidos na Casa da Música, no Porto, e conduzidos à sala de ensaios. Lá dentro, Igor C. Silva, Brad Lubman e o Remix Ensemble ensaiam a banda sonora para O Táxi 9297. O cenário é espaçoso e inclui objectos invulgares por estas paragens: balões, sacos de plástico, garrafas de vidro vazias, brinquedos de borracha, latas, tubos e campainhas. Com isto pretende-se, nas palavras de Igor, “arriscar” e “expandir a palete de sons do Ensemble”.

O filme de Reinaldo Ferreira o icónico Repórter X, conhecido pela sua imaginação fértil, presente tanto na literatura como no jornalismo – estreou-se em 1927. O clássico do cinema mudo português acompanhava a investigação de um assassinato; quase 100 anos depois, a Casa da Música e a Philharmonie Luxembourg encomendam esta banda sonora original ao compositor portuense. Escrita especialmente para o Remix Ensemble, combina “dois níveis de som”: música e sonoplastia.

Assistir ao ensaio é uma experiência interessante – os 16 músicos tocam os instrumentos de cordas, sopro e percussão e, cinco minutos depois, estão a apertar brinquedos de borracha com igual seriedade e afinco. A certa altura, o maestro Brad Lubman interrompe o filme para fazer alguns comentários e dar o ensaio por encerrado. É o momento de conversar com o compositor.

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Igor é natural do Porto, mas vive actualmente em Amesterdão tiago lopes

Com 30 anos, Igor apaixonou-se pela música desde cedo. Em jeito de brincadeira, relembra quando um familiar lhe apresentou uma cassete de Michael Jackson e o dia em que entrou no carro do pai e ouviu os Beatles pela primeira vez. O piano já se tocava na família — e “ver alguém próximo a tocar torna algo acessível”. A guitarra veio depois, nem se lembra bem porquê. Foi com este instrumento que começou a compor. Primeiro, a transcrever melodias, depois a conceber as suas primeiras músicas. Nessa altura, ainda via a música como “um género de brincadeira criativa”. Mais tarde, a tocar em grupos de jazz e de rock experimental, a composição passou a ser uma necessidade e tornou-se em algo mais sério – era preciso escrever as canções para conseguirem tocar todos em simultâneo e a “piada” passava precisamente por tocar peças próprias.

Depois de “uma luta interna entre seguir para o ensino superior para estudar guitarra jazz ou composição”, optou pela licenciatura em Composição na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo. O convite da Casa da Música para ser o jovem compositor em residência de 2012 surgiu ao mesmo tempo que iniciava o mestrado na mesma área. Igor salienta que “há uma grande disparidade entre o que é ser estudante de composição e o que é ser efectivamente músico” e que “é preciso soltar as amarras da escola”. Daí esta residência ter sido tão importante – foi “uma grande cissura” e “a passagem de estudante para o mundo profissional”. Considera que em Portugal se ensina os alunos “a tocar bem, a serem competentes, a serem músicos”, mas não se ensina “os alunos a serem artistas nem a pensar pela própria cabeça”. Isto faz com que “o meio se torne um pouco estéril; ninguém quer um músico que toque bem, mas que não saiba pensar”.

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Durante a residência, pôde contar com “músicos bons e competentes” que lhe permitiram desenvolver as capacidades sem restrições. Compôs três peças: uma para o Remix, uma para a Orquestra Sinfónica e outra para um grupo de música de câmara. Nessa altura, abriu-se “uma porta (que se manteve aberta)”. O segundo mestrado foi feito na área da música electrónica ao vivo no Conservatório de Amesterdão e, mal o acabou, ingressou num doutoramento em Bruxelas. Tem dado aulas, fundou com colegas em 2016 o Trash Panda Collective e foi compositor residente do grupo Drumming em 2018/2019. Tem tido sorte, diz, porque, para lá de trabalhar com vários grupos, as suas obras “estão bem documentadas” e começam a ser “tocadas um bocadinho por todo o mundo”.

Entretanto, surgiu mais este convite da Casa da MúsicaO Táxi 9297 é um “projecto enorme”, o “maior” que já fez. Nesta nova peça, fez questão de “servir o filme” e “pôr o ego de parte” – tem liberdade e a sonoridade é sua, “mas quem manda é o Reinaldo”. Ao longo dos anos, foi guardando o bichinho de integrar como performer um dos projectos. Com o Repórter X encontrou a oportunidade perfeita — “a música para cinema do início do século era sempre improvisada”. Deixou partes da partitura em aberto, dando espaço aos 16 músicos do Ensemble – e a si próprio para improvisar e “reagir ao filme”. Nesta peça, cada um tem o seu monitor e acompanha a película, algo raro no formato de cine-concerto.

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Igor explica que pode ser “estranho ver acções que do ponto de vista sonoro são muito fortes uma porta a bater, o disparo de uma pistola, um carro a passar” sem qualquer som correspondente. “Do ponto de vista da percepção, o nosso cérebro está a ser enganado”, então decidiu brincar com a sonoplastia e “incorporá-la na música”. É um dos aspectos de que mais se orgulha nesta composição.

Não tem qualquer intenção de ser um compositor clássico. Para ele, “o legado de Bach é tão importante quanto os Stockhausen ou o Jimmy Hendrix”, porque “tão importante quanto ser músico no século XXI é estarmos no tempo em que estamos”. Vê o papel do músico clássico sobretudo como interpretativo e, embora este tenha “um lado criativo (e é muito importante que o tenha)”, prefere áreas como o jazz e o rock, onde “o lado performativo e o lado compositivo estão interligados”.

Inspira-se em tudo e mais alguma coisa, desde que seja música “bem feita e honesta”, embora não concorde muito com a ideia de inspiração: “São só alturas em que uma pessoa está mais sensível e se abre ao que está à nossa volta.” À pergunta “o que tens ouvido?”, responde com “jovens compositores espalhados pelo mundo”, “rock experimental” e produtores de Los Angeles como Robert Glasper e Kaytranada, que “trabalham com músicos de jazz para criar hip-hop”. Aponta, ainda, o compositor Fausto Romitelli como alguém que mantém como referência. Nos tempos livres, faz surf (e “muito desporto"); nos últimos anos, tem-se ainda perdido no mundo de humor, consumindo imensa stand up comedy. 

Sobre 2020, brinca que o vai passar “sem ver filmes”. Tem uma ópera multimédia a ser finalizada (“sobre o primeiro dia de trabalho do Donald Trump”), bem como encomendas de projectos mais pequenos. Em Outubro, vai apresentar novamente esta peça no Luxemburgo, “com outro Ensemble, mas o mesmo maestro”. E, claro, tem o trabalho contínuo com os Trash Panda Collective — “é das coisas de que mais me orgulho”. 

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Tiago Lopes
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