Panificadora de Nadir Afonso em Vila Real demolida para dar lugar a loja Lidl
Terreno onde se encontram as ruínas das instalações da Panreal está a ser vendido ao Lidl para a construção de uma nova loja. Em 2019, a Câmara de Vila Real decidiu não classificar a panificadora como imóvel de interesse municipal.
A demolição do edifício da antiga panificadora de Vila Real, projectada pelo arquitecto e pintor Nadir Afonso, começou na segunda-feira e prossegue hoje: para o local existe um projecto de renovação da loja do Lidl, segundo fontes do município e da empresa.
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A demolição do edifício da antiga panificadora de Vila Real, projectada pelo arquitecto e pintor Nadir Afonso, começou na segunda-feira e prossegue hoje: para o local existe um projecto de renovação da loja do Lidl, segundo fontes do município e da empresa.
O espaço privado onde está localizado o imóvel, construído em 1965, foi comprado pelo Lidl, que confirmou à Lusa a aquisição do terreno “após as devidas aprovações e licenciamentos, cumprindo todos os procedimentos e despachos legais”. O tempo previsto de obra será de sete meses e o objectivo é a renovação da loja existente em Vila Real.
De acordo com informação disponibilizada pela Câmara de Vila Real, o Lidl apresentou um projecto que prevê a demolição de dois edifícios existentes, a actual loja e a Panreal (como é conhecida localmente a panificadora), e a sua substituição por um outro com maior área. Projecto esse que foi aprovado por unanimidade pelo executivo na reunião de câmara da semana passada.
O Lidl sublinhou que, ao longo deste processo, desenvolveu “múltiplos esforços, ao reunir-se com a família e a Fundação Nadir Afonso, sempre com uma intenção clara de incluir uma componente de homenagem e memória do pintor” e adiantou que, “à data, nenhumas das sugestões foi aceite”.
Segundo a empresa, “neste caso em particular, a estrutura e configuração não permitem qualquer ajustamento à ocupação pretendida”. “Acresce a isso que o espaço está em avançado estado de degradação, com múltiplas placas de amianto, que, como é sabido, é um risco para a saúde pública”, referiu o Lidl.
O edifício tem um projecto congénere em Chaves. Os dois imóveis marcam a carreira de Nadir Afonso, por serem os seus últimos projectos de arquitectura. Esta manhã, num cartaz feito de papelão e colocado numa grade junto à obra, foi escrito: “Centenário Nadir Afonso 1920-2020, licença para demolir o património. Autorização: Câmara Municipal de Vila Real”.
Providência cautelar em estudo
A demolição do edifício está a indignar os defensores da preservação do edifício, que estão a estudar avançar com uma providência cautelar para travar a obra.
“Por volta das 18h, uma máquina entrou aqui e começou a derrubar o edifício”, afirmou Mila Simões de Abreu, professora universitária que faz parte da Alter Ibi, associação que é, há três anos, uma das vozes mais activas na defesa do edifício da Panreal. Na sua opinião, “hoje Portugal ficou um bocadinho mais pobre”.
A responsável disse que vai avançar, em nome de “diversas pessoas”, uma “providência cautelar que visa parar as obras”. Mila Simões de Abreu disse que o processo ainda vai ser estudado com os advogados.
A responsável entrou no edifício que estava a ser demolido e foi retirada do local pela PSP. “É importante a defesa do património português. Nadir Afonso era um grande artista, um grande arquitecto e, portanto, a destruição assim à calada, cobardemente, sem um anúncio, um edital, só demonstra que eles têm medo”, salientou.
Recentemente, a associação Alter Ibi pediu ajuda ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para “salvar” o edifício que diz estar em “risco de demolição” para dar lugar a “um parque de estacionamento de 50 lugares”.
António Crespí, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, disse sentir uma “tristeza terrível”. “Como é possível que um povo transmontano deteste os seus sinais de cultura e de identidade até este extremo? Isto é incompreensível...”
Em 2019, a Câmara de Vila Real decidiu não classificar a panificadora como imóvel de interesse municipal. A decisão foi tomada depois de também a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) ter arquivado o procedimento de classificação para Imóvel de Interesse Público, proposto por um grupo de cidadãos, considerando que o edifício já não tem características para uma classificação a nível nacional.