Pés fortes são vitais para o equilíbrio de todo o corpo, defendem médicos e treinadores
Sapatos duros, biqueiras pontiagudas, saltos altos e finos combinados com pouco tempo descalços. Tudo isto faz com que os pés se esqueçam dos seus movimentos naturais e aumentem os riscos de lesões. Mas um conjunto específico de exercícios pode ajudar.
Em qualquer ginásio, é habitual ver gente a trabalhar os bíceps, isquiotibiais, ombros, abdominais — praticamente tudo, menos os pés. E os especialistas dizem que é um grande erro.
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Em qualquer ginásio, é habitual ver gente a trabalhar os bíceps, isquiotibiais, ombros, abdominais — praticamente tudo, menos os pés. E os especialistas dizem que é um grande erro.
“Os pés são a base da nossa força. E, como qualquer parte do corpo, quando não se usa, perde-se”, diz Jay Dicharry, autor de vários livros sobre biomecânica de corrida e director do laboratório REP, de fisioterapia e recuperação muscular, em Bend, Oregon (EUA).
Segundo o mesmo especialista, anos de negligência podem impedir que os 28 ossos, 30 articulações e mais de cem músculos, tendões e ligamentos dos pés façam o seu trabalho, que é essencialmente fornecer apoio, equilíbrio e mobilidade. Sapatos grandes e duros, ou aqueles pontiagudos e saltos finos, restringem a maneira como nossos pés se movem. Combine-se isso a pouco tempo gasto a caminhar descalço para manter os pés a mexerem-se naturalmente, e nenhum tempo despendido a trabalhar a força e a mobilidade dos pés, e estamos no caminho certo para ter problemas em catadupa.
Problemas que podem ir desde a diminuição do desempenho dos atletas ao aumento do risco de lesões em campo ou fora dele, diz Dicharry.
No entanto, a abordagem quando alguém tem uma lesão de qualquer tipo ou não tem equilíbrio e estabilidade é muitas vezes bastante básica: descanso ou gelo (embora a eficácia do gelo esteja a ser posta em causa), ortopróteses, sapatos de apoio, reabilitação. Porém, Dicharry e outros defendem que a solução passa por ajudar a devolver o pé ao seu estado natural e funcional.
Os pesquisadores sugerem, numa revisão ao trabalho publicado em 2013 no British Journal of Sports Medicine, que uma maior consciencialização da importância dos pés e um treino do “núcleo do pé” são essenciais para manter os mesmos estáveis e fortes, protegendo as extremidades inferiores e reduzindo as lesões.
Stephen Pribut, podólogo da área de Washington DC e especialista em medicina desportiva, diz que as pessoas em geral escolhem o seu calçado com base no que é aceitável e esperado — em oposição ao que é mais confortável e melhor para a saúde dos pés.
“Além disso, a maioria dos trabalhos é muito sedentária, logo não é possível usar os pés a maior parte do dia”, diz. “Eu digo aos meus pacientes para usarem algo confortável, que não os faça sofrer”.
Kate Galliett, treinadora em Salt Lake City, diz que começou a incorporar o treino com os pés nas rotinas dos seus clientes há 15 anos, depois de ver muitos atletas de resistência com problemas como a fasceíte plantar – uma inflamação, com dor, de uma banda espessa de tecido, designada como fáscia plantar, que corre ao longo da planta do pé e liga o calcanhar aos dedos.
“Depois de pesquisar e praticar exercícios para o pé, comecei a treinar a força e funcionalidade dos pés”, explica. E isso fez uma enorme diferença.
Ioga dos dedos dos pés
“Se o pé não puder funcionar como pretendido, para cima e para baixo, de um lado para o outro, ele compensará de outras maneiras. É isso que leva à lesão”, relata Kate Galliett, acrescentando que isto é válido não só para os pés, mas também para as pernas, quadris e costas.
Galliett é fã de um dos exercícios favoritos de Dicharry, que ele chama de ioga dos dedos dos pés. “Eu ponho os meus atletas a levantarem o dedo grande do pé sem levantarem os pequeninos e depois o oposto”, diz. “Também faço com que realizem levantamento dos gémeos com um bloco de ioga ou uma pequena bola suavemente espremida entre os tornozelos para manter a carga de elevação sobre o dedo grande e o centro do pé.”
Outros exercícios incluem posturas assentes numa só perna, pranchas oscilantes ou inclinadas e até uma simples caminhada sem sapatos para colocar os pés no movimento natural.
Benjamin Morgan, de 38 anos, é enfermeiro numa unidade de terapia intensiva da Força Aérea e pratica corrida em trilhos de obstáculos. Há 15 anos, torceu o tornozelo e a dor nunca desapareceu por completo.
À procura de maneiras de eliminar a dor e reduzir a probabilidade de lesões recorrentes, Morgan, há alguns anos, dedicou-se a treinar especificamente os pés, incluindo andar descalço como, segundo ele, os humanos dos primórdios.
“Vou à procura de um campo ou de um parque e faço sprints com os pés descalços para fortalecê-los, assim co às minhas extremidades inferiores”, conta. “Também uso sapatos minimalistas na academia (que são quase uma experiência descalça), onde salto à corda e trabalho a mobilidade com sacos de areia ou pesos” para ajudar a melhorar a estabilidade dos pés.
Além disso, Morgan usa um dispositivo para afastar os dedos dos pés, desenvolvido por um podólogo há vários anos, que mantém os dedos numa posição aberta, criando um esforço para melhorar o alinhamento e a estabilidade dos pés. Com estas medidas, Morgan diz que a sua dor no tornozelo desapareceu e acha que a sua corrida melhorou.
“Quando corro em trilhos, sinto-me muito mais estável e com menos probabilidade de me magoar.”
Andar descalço? O mais possível
Pribut concorda que os extensores dos dedos dos pés podem ser úteis a alguns pacientes e apoia exercícios que ajudam a força, o equilíbrio e a propriocepção do pé (consciência do corpo e dos seus movimentos). Quanto aos sapatos, ele ressalva que nenhum é natural.
Mas, não são apenas os atletas de resistência que podem beneficiar do fortalecimento dos pés. Sam Robinson, de 26 anos, é director de testes de produtos do MyGolfSpy e um jogador ávido. Para aprimorar o seu jogo, ele tornou-se mais dedicado ao treino físico em geral, incluindo o trabalho dos pés para melhorar a sua força e equilíbrio.
“Comecei a trabalhar a estabilidade de uma perna e a fazer todo o meu treino de força sem sapatos”, conta. “Também pratico trabalho na terra — estar na natureza descalço e rolar os pés com uma bola todas as noites” para manter os pés flexíveis.
Dois anos depois de ter iniciado estes exercícios, Robinson diz que consegue lançar a bola a cerca de 45 metros mais longe do que antes. “É o princípio fundamental de construir dos alicerces para o telhado”, diz.
Porém, Dicharry chama a atenção para o facto de muitos dos exercícios que as pessoas usam para fortalecer os pés acabarem por trabalhar os músculos das canelas. Em vez disso, as pessoas devem concentrar-se nos músculos usados para mover o pé para cima e para baixo ou para dentro e para fora, e também no dedo grande do pé, o que ajuda a estabilizar, orientar e melhorar a propulsão do pé e do corpo. Por esse motivo, considera, o movimento do ioga dos dedos do pé é particularmente útil.
“A ideia é mover o dedo grande do pé independente dos outros e vice-versa”, explica. “Com o pé bem assente, levante o dedo grande do pé e aguente-o por alguns segundos, enquanto os outros dedos permanecem no chão. De seguida, inverta a posição, colocando o dedo grande do pé no chão e erguendo os outros dedos. Alterne para frente e para trás, mantendo o pé neutro e não indo atrás do movimento.”
Outro dos movimentos fáceis de executar é o “passe em redor”, que envolve ficar em pé com um pé de cada vez, segurando um peso leve na mão oposta. “Passe o peso em torno do seu corpo numa direcção cerca de cinco vezes e depois troque de mãos e pernas, e inverta”, diz Dicharry. “Isso treina o pé para fazer correcções, a fim de manter o equilíbrio e a estabilidade”.
Galliett também recomenda simplesmente passar mais tempo descalço, caminhando na rua ou em superfícies diferentes pela casa. E então, no final do dia, que se tire cerca de 30 segundos para esfregar os pés com um pouco de loção, o que lembrará o cérebro de todas essas terminações nervosas.
O treino para os pés, diz Dicharry, é todo sobre memória muscular. “Pequenas doses — de cinco a 10 minutos — durante toda a semana é o suficiente”, indica.
Vale a pena, diz Galliett. “Pense nisso: mais cedo ou mais tarde, a maioria vai torcer o pé ou tropeçar em algo. Se o pé for estável e forte, é mais provável que se saia ileso.”