35 anos e um Planeta Vinil
O Teatro da Rainha é uma companhia residente numa cidade. É um corpo frágil, por isso se alimenta bem, de clássicos e contemporâneos qualificados, bons textos.
O Teatro da Rainha é uma companhia residente numa cidade. É a companhia residente. Faz 35 anos este 2020. Não é uma companhia de residências várias em calendários workshópicos, faz rápidas sempre na longa duração, todos os dias de 35 anos de vida — é um corpo frágil, por isso se alimenta bem, de clássicos e contemporâneos qualificados, bons textos. É o amor dos textos que o empurra um futuro alternativo ao que nos oferecem com os cortes, com as subtis formas da censura, com as mortes prematuras, com um “tentativismo” que finalmente não se inscreve como arte no corpo da democracia por vir — a cultural — porque o Estado não concebe uma política cultural como vida nacional e europeia, glocal. O TR não é uma loja, não é uma empreendedora industrial criativa num nicho do que seja. Não pratica o logótipo como seu teatro central. Mas usa logótipo e genial, do Edgar Marcelo ao José Serrão, artistas, também gráficos.
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O Teatro da Rainha é uma companhia residente numa cidade. É a companhia residente. Faz 35 anos este 2020. Não é uma companhia de residências várias em calendários workshópicos, faz rápidas sempre na longa duração, todos os dias de 35 anos de vida — é um corpo frágil, por isso se alimenta bem, de clássicos e contemporâneos qualificados, bons textos. É o amor dos textos que o empurra um futuro alternativo ao que nos oferecem com os cortes, com as subtis formas da censura, com as mortes prematuras, com um “tentativismo” que finalmente não se inscreve como arte no corpo da democracia por vir — a cultural — porque o Estado não concebe uma política cultural como vida nacional e europeia, glocal. O TR não é uma loja, não é uma empreendedora industrial criativa num nicho do que seja. Não pratica o logótipo como seu teatro central. Mas usa logótipo e genial, do Edgar Marcelo ao José Serrão, artistas, também gráficos.
Este ano de 2020 arranca com um espectáculo para a infância. Ser companhia residente implica deveres de cidadania que tem de fundir com os seus intentos especificamente artísticos. A imaginação é antes do mais uma forma própria de escrever na infância, nasce aí e desenvolve-se se for alimentada em peito vitaminado de ideias. As formas não são miméticas obrigatoriamente — não temos de imaginar o já imaginado, não é fatal —, a imperfeição e a abstracção estão nos dedos de quem desenha as primeiras vezes. De quem lê as primeiras letras. De quem escreve antes de saber escrever. De quem junta letras como um lego. E pode usar um A para fazer de escadote. Um E a fazer de chave de um problema com porta. Um I por amor da pintinha do i. A imaginação da infância é uma escrita livre, entre o automatismo surrealista — as formas da incoerência lógica, oníricas ou apenas vertiginosas, alimentam fracturas estimulantes, a intuição é uma grande praia — e as linhas gigantes que o lápis faz quase sozinho, o sol no canto do papel em absoluta icterícia expansiva, uma escada que dá para as nuvens, um caminho para a escola, a mãe ou o pai, ou o pai e a mãe, ou a mãe e o pai, ali ao lado, em tamanho de casa à altura da janela do primeiro piso, não vá o diabo tecê-las, tramá-las, às malhas do dia, que o destino é o dia, horas e instantes, cada minuto, um olhar, a mão dada ou não à mão que se estende, a mão solta, atravesso sozinho a estrada e salto o muro, a hiperprotecção mata, a casa não pode ser prisão de jogos, ecrãs que cercam.
O próximo espectáculo é da autoria de Cecília Ferreira, jovem e experimentada dramaturga. Não de imagem de marca, apenas jovem de idade, vida-tempo significativo pela frente para poder criar. Com um mestrado em literaturas modernas cursou teatro na ESMAE e faz neste momento, nessa escola, um mestrado em escrita teatral. Cecília Ferreira já escreveu um conjunto de peças e concebeu experiências teatrais, principalmente no colectivo feminino Teatro a Quatro. Nessa estrutura de criação realizaram-se inúmeros espectáculos para crianças. Cecília Ferreira escreveu entre outros textos A acompanhante, prémio de dramaturgia da SPA, acerca dos mortos que não têm família alguma e que alguém acompanha até à morada final, Rua da Alegria — onde se situa a ESMAE — e outras peças que o Teatro a Quatro levou acena.
Planeta Vinil é o resultado da encomenda feita pelo Teatro da Rainha a Cecília Ferreira — TR significa Dona Leonor e já esta encomendava peças a Gil Vicente — com destino específico.
Planeta Vinil é sobre a Extinção, essa figura que nos atormenta agora quase diariamente e que se manifesta de formas tão extraordinariamente diversas que não cabem nas interpretações. É um texto sobre o aquecimento global e a cegueira humana, a falta de ar, sobre a seca, a conversão do planeta azul em cinza global.
Quatro estranhas criaturas, tudo menos a evidência de uma associação tribal [— um escaravelho vaca-loura — Cláudio — uma menina — Nina — um Peixe-napoleão — Napoleão — e uma galinha Legorne Branca— Zezinha — ] estão em fuga numa demanda do Avesso. O Avesso é o Lado B. Finalmente o Lado B é na realidade o Lado A, é o seu avesso. A fuga converte-se em viagem mental. A Extinção somos nós, está dentro de nós. A Extinção são os humanos que a constroem destruindo tudo. A si mesmos. Planeta Vinil é uma receita — aprendida em processo de aventura — contra o suicídio global planetário.