Um país que brinca com o fogo
Este é um país estranho, onde planos se seguem a reformas, reformas destronam estratégias, estratégias são contrariadas por planos.
Este é um país estranho, onde se definem planos para a gestão de consequências e não de causas. Onde se insiste em atacar surtos febris, com um sucesso pavoroso, e não os focos da infecção. É neste contexto que enquadramos mais um “plano”, desta vez o denominado Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR). Desejável seria um plano para a gestão integrada do Território ou do Mundo Rural. Algo que não se limitasse a uma gestão dos riscos, mas a intervir sobre os problemas que os potenciam. Curiosamente, a adopção do conceito de fogo rural, em vez de florestal, surge desfasado no tempo, quando as estatísticas indicam que os fogos são cada vez mais florestais.
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Este é um país estranho, onde se definem planos para a gestão de consequências e não de causas. Onde se insiste em atacar surtos febris, com um sucesso pavoroso, e não os focos da infecção. É neste contexto que enquadramos mais um “plano”, desta vez o denominado Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR). Desejável seria um plano para a gestão integrada do Território ou do Mundo Rural. Algo que não se limitasse a uma gestão dos riscos, mas a intervir sobre os problemas que os potenciam. Curiosamente, a adopção do conceito de fogo rural, em vez de florestal, surge desfasado no tempo, quando as estatísticas indicam que os fogos são cada vez mais florestais.
Este é um país estranho, onde planos se seguem a reformas, reformas destronam estratégias, estratégias são contrariadas por planos. Como se enquadram as propostas do PNGIFR com as metas definidas na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), cuja Resolução do Conselho de Ministros, tanto quanto se sabe, continua a vigorar? Aliás, como se coadunam as metas da segunda geração de Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), com as metas estabelecidas na Estratégia, ou até com as limitações impostas por uma Lei da República, publicada a 17 de Agosto de 2017? Como se articula o PNGIFR com a “grande reforma das florestas” do ex-ministro Capoulas Santos? Sobre esta, é árduo constatar que as críticas feitas em 2016 nos vêm dar razão. Mas, mais importante, como se coadunam todas estas publicações em Diário da República (estratégias, reformas, planos) com os princípios e objectivos expostos na Lei de Bases da Política Florestal, aprovada por unanimidade no Parlamento em 1996? A atender aos factos no terreno, toda esta produção legislativa converter-se-á, ela própria, num enorme risco.
Este é um país estranho, onde se criam instituições para exercer competências que cabiam perfeitamente em instituições criadas e que se deixam a definhar. Qual o motivo para a criação da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, IP, quando a gestão dos riscos se enquadra em medidas de política florestal, que caberiam no conjunto das competências atribuíveis do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP? Argumentos não faltarão a favor da criação da AGIF, mas que se consubstanciam em perigosas falácias. Esta criação terá tido por base o “princípio” da multiplicação das “capelinhas”?
Este é um país estranho, onde se pretende subsidiar despesa ad aeternum com as ditas faixas de gestão de combustível, quando muitas delas se deveriam e poderiam restituir à obtenção de receita para as famílias, agricultores e proprietários rurais. Fará sentido subsidiar a limpeza de faixas em torno dos povoados, quando estas poderiam ser reconvertidas novamente à produção agro-alimentar ou à actividade silvo-pastoril? Será preferível a aposta em dar o “peixe” ou em investir na “cana de pesca”?
Este é um país estranho, onde se insiste em decapitar faixas de solos e abater arvoredo autóctone, como se faixas de meia dúzia de metros constituíssem barreiras fiáveis perante projecções em combustão que atingem distâncias de quilómetros. Talvez fosse recomendável financiar a reconversão do edificado, no sentido de impedir a penetração dessas projecções. Talvez fizesse mais sentido impedir extensas manchas continuas de áreas de produção lenhosa. Ou impedir mesmo investimentos que não cumprissem critérios básicos de natureza técnica, financeira, comercial e ambiental.
Este é um país estranho, onde se insiste em discutir combate, prevenção, gestão e ordenamento, sem se discutir rendimento que os suporte. Aliás, rendimento é algo em que se insiste em não discutir. Quiçá alicerçado nas portas giratórias que, recorrentemente, funcionam entre uma indústria irresponsável e os órgãos governamentais e da Administração.
Se é para criar novos organismos, há pelos menos dois que fazem uma falta substancial à gestão integrada dos fogos florestais: uma entidade de extensão, de aconselhamento técnico e comercial de proximidade; e uma entidade reguladora, impedindo que os mercados de produtos de base florestal funcionem em concorrência imperfeita, condicionando a gestão activa, que contenha os riscos.
Este é um país estranho, onde se multiplicam os anúncios de milhões de euros, sem que existam relatórios de execução física ou mesmo que disponham de dotação em Orçamento.
Este é um país estranho, um país que brinca com o fogo.