Papel higiénico: vale a pena lutar por um rolo em tempo de coronavírus
Em Hong Kong e Singapura, vagas de consumidores enchem carrinhos de supermercado com arroz, noodles e papel higénico. Rumores de ruptura de stocks desatam debandadas que esvaziam as prateleiras das lojas. E os apelos à calma dos governos nada podem contra a desconfiança da população.
Supermercados com rotura de stock, verdadeiras lutas entre pessoas para adquirir os últimos rolos e até assaltos à mão armada para roubar aquilo que em tempos de desastres naturais e epidemias se torna um bem precioso cujos preços tendem à especulação: o papel higiénico. Com a epidemia do coronavírus, tornou-se um dos artigos de primeira necessidade mais procurados no extremo oriente.
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Supermercados com rotura de stock, verdadeiras lutas entre pessoas para adquirir os últimos rolos e até assaltos à mão armada para roubar aquilo que em tempos de desastres naturais e epidemias se torna um bem precioso cujos preços tendem à especulação: o papel higiénico. Com a epidemia do coronavírus, tornou-se um dos artigos de primeira necessidade mais procurados no extremo oriente.
Homens armados com facas assaltaram um distribuidor à porta de um supermercado em Hong Kong na segunda-feira, numa zona onde as tríades dominam. O homem estava a entregar uma encomenda de 600 rolos de papel higiénico em Mong Kok quando foi ameaçado pelos assaltantes, divulgou a polícia que, entretanto, deteve dois dos três suspeitos e recuperou parte do produto do roubo.
Nas últimas semanas tem havido uma corrida aos supermercados um pouco por toda a região, à medida que os surtos de pânico por causa do coronavírus levam as pessoas a acumular papel higiénico em casa. À frente dos supermercados em Hong Kong fazem-se filas desde as primeiras horas da manhã para comprar principalmente quatro coisas: arroz, noodles instantâneos, rolos de papel higiénico e desinfectante. A ponto de os supermercados terem começado a impor racionamentos e muitos comerciantes começarem a especular com os preços.
Em tempo de redes sociais, os picos de pânico flutuam com as mensagens virais que se vão partilhando pela Internet. A cada nova onda de partilha de informação falsa ou especulativa, desatam-se vagas de compradores assustados a caminho dos supermercados, transformados, por vezes, em palcos de lutas acesas pelo último pacote de arroz ou pelo derradeiro rolo de papel.
Apenas 50 casos confirmados de coronavírus e um morto não levam as pessoas a agir com bom senso em Hong Kong, temendo que se esteja perante uma emergência médica que dure meses e provoque rupturas na distribuição. “Não fazemos ideia por quanto tempo é que isto se vai arrastar e quanto mais ouço, mais em pânico fico”, dizia ao The Guardian a senhora Chung, que não quis dar o nome completo, à porta de um supermercado em Mid-Levels, um bairro de classe média alta de Hong Kong, onde aguardava desde as sete da manhã.
A semana passada, Annie Tan escrevia no Channel News Asia um artigo de opinião sobre o mesmo fenómeno em Singapura, onde as pessoas também faziam fila nos supermercados para comprar sopa instantânea e rolos de papel higiénico com medo do coronavírus: na cidade-Estado, onde há 77 casos confirmados, sem vítimas fatais, “o pânico tornou-se o novo vírus”, afirmava.
A fotografia de uma mulher de máscara carregada de massa instantânea e papel higiénico tornou-se viral, primeiro como motivo de chacota, depois como inspiração para outros que encheram os supermercados à procura de se aprovisionarem para um fim do mundo. E se não há ruptura de stocks, rapidamente passa a haver devido à procura.
Há um filme de Tsai Ming Liang, o realizador taiwanês de origem malaia, chamado O Buraco, onde 40 dias ininterruptos de chuva levam uma mulher a acumular papel higiénico na sala de estar, com o a qual constrói uma espécie de abrigo, onde se esconde do possível cataclismo que a persistente chuva anuncia.
“Não acredito numa palavra do que diz o nosso governo. A minha visão do futuro é muito sombria”, explicava a senhora Chung, antes de se abalançar junto com outros para os produtos do supermercado. O nível de desconfiança da população no Governo de Hong Kong atingiu o seu nível mais baixo desde que o Instituto Público de Estudos de Opinião começou a realizar as sondagens em 1992: quase sete em cada dez habitantes da região administrativa especial chinesa não acredita nas palavras do executivo.
Daí que o governo local diga “não há ruptura do fornecimento” e a população desate a correr para se precaver, até porque muitos se lembram do que aconteceu em 2003, quando a SARS (síndrome respiratória aguda grave) matou 299 pessoas em Hong Kong.
No território, as pessoas confiam mais umas nas outras e uma aplicação desenvolvida em colaboração procura ajudar a encontrar onde ainda há ou onde já esgotaram os produtos de primeira necessidade: de comida congelada a máscaras de protecção, de noodles a papel higiénico. O Shortage Track é uma app de código aberto feita com base na colaboração dos próprios utilizadores que fazem subir a informação da disponibilidade de produtos e de preços inflacionados.
O que não sabia a personagem de Tsai Ming Liang e muitos dos que acumulam rolos e rolos em casa é que tanto com a chuva cataclísmica da Taiwan do filme, como com a humidade de Hong Kong ou de Singapura, o armazenamento de papel higiénico é contraproducente a longo prazo. Gilly Wong Fung-han, chefe da defesa do consumidor, avisava no domingo que tanto papel higiénico acumulado transforma-se em ameaça à saúde pública: “O bolor não é normalmente visível a olho nu, mas pode prejudicar a saúde.”