Vamos responsabilizar os “jovens aldeões”
As fraudes no meio académico não são apenas peripécias de um aventureirismo intelectual dos recém-chegados, mas sim um atalho tentador.
Tendo como base as palavras do filósofo dinamarquês Kierkegaard, que tanto se preocupou com a questão da consciência da ética, “a personalidade possui o ético não fora de si mesma, mas nela mesma”, toda a aldeia tem a exigente missão de responsabilizar os “jovens aldeões” para que estes assumam e desenvolvam para si próprios a excelência ética a vários níveis.
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Tendo como base as palavras do filósofo dinamarquês Kierkegaard, que tanto se preocupou com a questão da consciência da ética, “a personalidade possui o ético não fora de si mesma, mas nela mesma”, toda a aldeia tem a exigente missão de responsabilizar os “jovens aldeões” para que estes assumam e desenvolvam para si próprios a excelência ética a vários níveis.
O provérbio “É preciso uma aldeia para educar uma criança” transporta em si um lembrete incontestável: é preciso mais do que cuidados básicos e afetivos por parte dos cuidadores diretos para educar uma criança. O mesmo se aplica à exigente tarefa de direcionar um jovem na sua formação enquanto cidadão e profissional competente. É necessário que uma aldeia inteira se comprometa com o seu desenvolvimento saudável, seja a nível físico, afetivo, intelectual ou moral.
Por aldeia podemos estar a referir-nos a diferentes contextos, mas a universidade será certamente uma das “aldeias” responsáveis pela construção moral e intelectual desse indivíduo. E dentro de um campus universitário, o contributo para o desenvolvimento de cada indivíduo manifesta-se principalmente através da promoção da integridade académica. Mas a avaliar pela realidade, temos falhado sistemicamente nas tentativas de transmissão desses valores.
Começo por pedir desculpas aos meus alunos que dirão que já me ouviram falar sobre esses solecismos éticos demasiadas vezes. Certamente, de forma insistente. Talvez vezes suficientes para que eu não mais devesse presenciar esses incidentes. Mas ainda assim, não me posso gabar de ser imune. Consolo-me, entretanto, por convidar os “aldeões” a repensarem o seu papel enquanto promotores dos princípios éticos e morais subjacentes ao desenvolvimento de uma nova geração.
As fraudes no meio académico não são apenas peripécias de um aventureirismo intelectual dos recém-chegados, mas sim um atalho tentador. As violações da integridade académica vão desde as avultadas transgressões éticas aos pequenos “descuidos”. Como todos os fenómenos complexos, esse fenómeno apresenta-se através de uma vasta gama de eufemismos e formatos, como é o caso da fraude mais utilizada, e à primeira vista “aceitável”, o famoso copianço.
Não há dúvidas que existem violações mais graves do que outras. Mas a normalização de um ato pela frequência com a qual ocorre, ou a falta de relato por parte do professor, não serão certamente ações pedagógicas, resultando numa falsa perceção de que os copianços são um mito urbano e que não exigem a adoção de sanções mais severas por parte das instituições que recriminem de forma veemente toda a qualquer fraude em todos os ciclos de estudo.
Para aqueles docentes que não se subjugam, a perceção é que essa é uma corrida armamentista permanente. Enquanto os professores se esforçam para construírem melhores sistemas de defesa e estratégias mais audazes de vigilância, os alunos dedicam-se com igual tenacidade ao desenvolvimento de estratégias mais eficazes de despiste que envolvem tecnologia, criatividade e muita ousadia. E por mais que seja um passo na direção desejada, apenas disponibilizar um código de ética e conduta numa plataforma digital que raramente é consultado, ou um curso no currículo, pouco farão no sentido de mudar a cultura do facilitismo.
Mas não se enganem, não são apenas os intervenientes que estão dentro dos muros da universidade que estão a falhar. Temos falhado todos nós. Mas ao invés de investir em sistemas infalíveis de vigilância, precisamos registar em alta voz que em nenhum trajeto de vida decidimos apenas sobre os fins, mas decidimos principalmente sobre os meios. Todos os “aldeões” precisam de se incumbir da responsabilidade de transmitir aos mais jovens que o essencial de um percurso é decidir por que meios vamos procurar atingir determinados objetivos. E nem todos os meios, por mais sofisticados e fadados ao sucesso que sejam, serão admissíveis ou tolerados.